Muito de propósito, a Morgadinha afastava-se o mais possível da cabeceira do enfermo, por uma razão análoga à que obriga os pintores a deixar em meias tintas os acessórios de um quadro, para que a atenção se fixe no objecto principal.
Madalena estava também dispondo uma obra de arte, na qual Cristina devia ser a figura principal.
Neste intento, a Morgadinha conservava às visitas que vinha fazer a Henrique um ar cerimoniático, que contrastava com a insinuante familiaridade da prima. Para isso teve Madalena de sufocar os impulsos da sua índole de mulher, e de mulher que tão bem compreendia os deveres da sua missão, ao mesmo tempo carinhosa e heróica. Apresentava-se o mais estranha que lhe era possível a estes pequenos cuidados, que tão irresistível influência exercem no coração do homem que experimenta a ventura de ser objecto deles.
De dia para dia crescia o ascendente de Cristina sobre Henrique, e crescia à custa de Madalena.
Esta percebia-o e não cabia em si de contente com a descoberta.
É necessário ser dotado de um grande fundo de generosidade, para que um coração de mulher faça destas descobertas com o íntimo contentamento que Madalena sentia. É tão natural defeito a vaidade!
- Não se exprime o prazer que Henrique experimentava a cada pequeno incidente da vida doméstica, que punha em relevo este predomínio de Cristina.
Havia uma hora no dia em que Henrique gozava um destes prazeres plácidos, de que tão pouco abundante era todo o seu passado.
Ao fim da tarde, D. Vitória, Madalena e toda a família do Mosteiro, e a própria tia Doroteia reuniam-se, no quarto do doente para tomarem o chá. Não era, porém, a presença de nenhuma delas, nem a de Madalena, que o consolava e obrigava a suspirar por aquela hora, mas uma pequena circunstância, que fará sorrir um homem de sensibilidade embotada, enquanto o facto se não der com ele.