Agora o enleado e tímido era ele; Cristina, a corajosa.
Um dia, em que Henrique parecia sofrer mais do que de costume, e em que se agitava no leito com a inquietação da febre, Cristina, depois de lhe dar a beber o calmante que lhe prescrevera o médico, perguntou-lhe, com a mais adorável candura:
- Não sabe rezar? - Henrique sorriu, respondendo:
- Julgo que desaprendi já as orações que minha mãe me ensinou.
Cristina calou-se e ficou tristemente pensativa.
Aquela alma inocente perguntava a si mesma que consolação encontraria nas provações da vida um espírito que não soubesse recolher-se na oração.
Henrique, assim que a viu assim, disse-lhe:
- Quer-me ensinar a rezar, Cristina?
Cristina fitou nele um olhar perscrutador, como para sondar a intenção daquelas palavras.
- Juro-lhe que recitarei com o fervor, de que ainda for capaz a minha alma, as orações que me ensinar.
Cristina respondeu-lhe gravemente:
- Reze, reze e verá como nisso achará consolação. Vou emprestar-lhe o meu livro de orações; quer?
- Porque me não há-de antes ensinar, como minha mãe o fazia? Cristina ouviu com seriedade a proposta.
E o certo é que um dia, em que Henrique passara pior, Madalena ouviu, na sala próxima, Cristina, recitando uma singela prece à Virgem, e o doente repetindo-a com docilidade de criança.
Como se ririam dele os seus amigos da capital, se naquele momento o vissem! Mas rir-se-iam de um fenómeno naturalíssimo, de uma destas modificações a que todos os caracteres estão sujeitos, quando se dão a actuá-los dois elementos tão poderosos, como se davam em Henrique - a doença, que quebra a inteireza das índoles mais rijas e abre o coração às doces influências - e a catequese feminina, a mais poderosa, eficaz e irresistível de todas.