- O vento é do mar, menina; isto são aguaceiros - notou Brízida, como para desvanecer aquele receio.
- Pois sabe que Cristina vem?
- Eu sei tudo. Ora sente-se ao fogão, que deve vir muito frio. Acendi o lume, porque estava aqui dentro um ar húmido e mofento, muito pouco hospitaleiro. Brízida, olhe que se não percebam lá fora as luzes, que podem amedrontar Cristina. E feche a porta da sala. Abra o coro da capela e prepare chá para quatro. Aqui mesmo, Brízida, aqui mesmo, porque a cozinha está pouco habitável.
Enquanto Brízida cumpria as ordens que a Morgadinha lhe dava, esta, chegando uma cadeira para o fogão, sentou-se defronte de Henrique de Souselas.
- Agora conversemos amigavelmente, primo Henrique. E, antes de mais nada, responda-me a uma pergunta! O que o trouxe aqui?
- Pois não diz que sabe tudo?
- Até certo ponto, entendamo-nos. Não vão tão longe as minhas faculdades que cheguem a devassar intenções, que, porventura, à própria consciência de quem as forma, repugne aceitar.
- Não é esse o meu caso; as minhas intenções são reconhecidas e aprovadas pela minha consciência. Vim para assistir ao espectáculo comovente de um anjo que ora por mim. É um espectáculo a que ainda não assistira, prima. Admira-se da minha curiosidade?
- Acho-a natural e até... louvável. O ponto está que a sua convalescença esteja bastante segura já. Porque o primo Henrique convalesceu há dias de duas doenças.
- De duas?
- Sim; e a mais rebelde não foi a de que o cirurgião o tratou.
- Então?
- A pior, aquela de que eu havia chegado já a desesperar, era a que lhe tinha descoberto, logo na sua chegada aqui, uma doença moral; revelava-se por uma maneira de ver as coisas, de pensar e de proceder, verdadeiramente doentia.