A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 7: VII Pág. 98 / 508

Ganhava a vida no ofício de hortelão, e, aos domingos e dias de festa, à força de rufos e pancadaria na retesada pele do seu companheiro inseparável - o zabumba. Era aos cuidados e vigilância deste par conjugal que o recoveiro Cancela confiava o seu mais precioso tesouro, a pequena Ermelinda, uma mimosa criança, que lhe ficara à sua viuvez, tão cheia de saudades, e a quem ele mais queria do que à menina dos olhos.

Ermelinda era afilhada da família Zé P’reira, e a mesma a quem ouvimos referir-se Ângelo no fim da carta.

Zé P’reira estava, como dissemos, só na cozinha, quando Augusto ali chegou: sentado, no meio da sala, sobre um alqueire voltado com o fundo para o ar, viradas as costas para a porta e a face para o lar apagado e vazio, falava, gesticulava e mudava de tom desde a nota mais grave e rouca da sua escala de barítono, até o mais agudo e desafinado falsete. A língua pegava-se-lhe ao céu-da-boca, dificultando-lhe suspeitosamente a articulação de algumas sílabas; era evidente que se apossara do hortelão o espírito familiar, o qual, neste caso, era um verdadeiro espírito, na acepção química do termo.

Zé P’reira era um homem baixo, já grisalho, suficientemente nutrido, de olhos vesgos e que mais vesgos se faziam quando o entusiasmo, o rapto artístico se apoderava dele; usava de umas suíças que pareciam tentar sumir-se-lhe pela boca dentro; tinha longos braços, acomodados às dificuldades e evoluções da sua arte, e pernas que, do joelho para baixo, lhe divergiam em ângulo de mais de trinta graus.

Quando Augusto deu com ele, o homem monologava, gesticulando:

- Ora, senhores, que é forte desgraça a minha!... É forte desgraça!... Aqui estou eu!... Um homem casado... casado à face da Igreja... que me casou em dia de S.





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