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Capítulo 10: X – Jenny

Página 112

A luz penetrava na sala por entre discretas venezianas e cortinas, que lhe temperavam a intensidade até o grau adequado aos hábitos de viver de Jenny.

De tudo, enfim, vinha a este quarto um aspecto de plácido recolhimento, em que se aprazia o espírito pensador e inclinado à melancolia da adorável irmã de Carlos.

Era ali dentro que, corridos os reposteiros e as cortinas, recostadas às mãos a fronte pensativa, em silêncio, a sós, tantas vezes, como agora, a simpática menina se entregava a meditações abençoadas de Deus, e das quais dimanavam júbilos suaves para quantos de perto a rodeavam.

Agitado o coração de saudades, sempre vivas e pungentes, contemplava nesses momentos, com fervor quase religioso, o retrato da mãe, fiel e mimosa miniatura, que recatava como a mais preciosa das suas jóias.

A imagem daquela que a estremecera tanto e que parecia ainda olhá-la com um bondoso sorriso, que nem a morte lhe apagara dos lábios, produzia em Jenny a mais poderosa impressão.

Às vezes, à força de muito a contemplar, figurava-se-lhe que essas amadas feições se animavam, que um ligeiro movimento lhe corria nos lábios, que um raio de vida fulgia, por instantes, nos olhos tão cheios de piedade e de tristeza.

Que alegria para o coração da pobre Jenny! Persuadia-se de que a alma da mãe, evocada pela simpatia filial, passara ali, iluminara momentaneamente a imagem inerte, e abençoara a filha, que tão pequena deixara órfã de apaixonadas carícias.

Esta ilusão vivia com Jenny; era nela um desses íntimos segredos do coração humano, para os quais não há confidentes possíveis. Perante a amizade mais provada, perante o amor mais extremoso, a alma, por expansiva que seja, não se revela toda. Há uma parte obscura do nosso mundo interior e sempre inacessível aos olhares estranhos, onde se refugiam esses muitos segredos do eu para eu, segredos de que nós mesmos nos riríamos, se os lábios ousassem pronunciá-los um dia; – que não ousam.

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pág. 112 (Capítulo 10)

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Capa do livro Uma Família Inglesa
Páginas: 432
Página atual: 112

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Espécie de prólogo, em que se faz uma apresentação ao leitor 1
II - Mais duas apresentações, e acaba o prólogo 11
III - Na Águia de Ouro 21
IV - Um anjo familiar 42
V - Uma manhã de Mr. Richard 53
VI - Ao despertar de Carlos 61
VII - Revista da noite 71
VIII - Na praça 81
IX - No escritório 94
X – Jenny 110
XI – Cecília 119
XII - Outro depoimento 128
XIII - Vida portuense 139
XIV - Iminências de crise 159
XV - Vida inglesa 168
XVI - No teatro 182
XVII - Contas de Carlos com a consciência 197
XVIII - Contas de Jenny com a consciência de Carlos 212
XIX - Agravam-se os sintomas 222
XX - Manuel Quintino procura distracções 236
XXI - O que vale uma resolução 247
XXII - Educação comercial 262
XXIII - Diplomacia do coração 277
XXIV - Em que a senhora Antónia procura encher-se de razão 283
XXV - Tempestade doméstica 290
XXVI - Ineficaz mediação de Jenny 298
XXVII - O motivo mais forte 305
XXVIII - Forma-se a tempestade em outro ponto 312
XXIX - Os amigos de Carlos 326
XXX - Peso que pode ter uma leviandade 344
XXXI - O que se passava em casa de Manuel Quintino 353
XXXII - Os convivas de Mr. Richard 362
XXXIII - Em honra de Jenny 371
XXXIV - Manuel Quintino alucinado 381
XXXVI - A defesa da irmã 397
XXXVII - Como se educa a opinião pública 406
XXXVIII - Justificação de Carlos 412
XXXIX - Coroa-se a obra 422
Conclusão 432