A luz penetrava na sala por entre discretas venezianas e cortinas, que lhe temperavam a intensidade até o grau adequado aos hábitos de viver de Jenny.
De tudo, enfim, vinha a este quarto um aspecto de plácido recolhimento, em que se aprazia o espírito pensador e inclinado à melancolia da adorável irmã de Carlos.
Era ali dentro que, corridos os reposteiros e as cortinas, recostadas às mãos a fronte pensativa, em silêncio, a sós, tantas vezes, como agora, a simpática menina se entregava a meditações abençoadas de Deus, e das quais dimanavam júbilos suaves para quantos de perto a rodeavam.
Agitado o coração de saudades, sempre vivas e pungentes, contemplava nesses momentos, com fervor quase religioso, o retrato da mãe, fiel e mimosa miniatura, que recatava como a mais preciosa das suas jóias.
A imagem daquela que a estremecera tanto e que parecia ainda olhá-la com um bondoso sorriso, que nem a morte lhe apagara dos lábios, produzia em Jenny a mais poderosa impressão.
Às vezes, à força de muito a contemplar, figurava-se-lhe que essas amadas feições se animavam, que um ligeiro movimento lhe corria nos lábios, que um raio de vida fulgia, por instantes, nos olhos tão cheios de piedade e de tristeza.
Que alegria para o coração da pobre Jenny! Persuadia-se de que a alma da mãe, evocada pela simpatia filial, passara ali, iluminara momentaneamente a imagem inerte, e abençoara a filha, que tão pequena deixara órfã de apaixonadas carícias.
Esta ilusão vivia com Jenny; era nela um desses íntimos segredos do coração humano, para os quais não há confidentes possíveis. Perante a amizade mais provada, perante o amor mais extremoso, a alma, por expansiva que seja, não se revela toda. Há uma parte obscura do nosso mundo interior e sempre inacessível aos olhares estranhos, onde se refugiam esses muitos segredos do eu para eu, segredos de que nós mesmos nos riríamos, se os lábios ousassem pronunciá-los um dia; – que não ousam.