plácidos, que são mal concebidos por quem deles anda arredado em hábitos de vida mais turbulenta; mas aos quais não há talvez carácter ou temperamento humano, que não corra o perigo de habituar-se, se por algum tempo lhes experimentar as doçuras.
É mais fácil, e mais vezes se realiza, a transição da vida errante, tumultuosa e agitada para estes monótonos prazeres do viver doméstico, do que a inversa; como se o pendor natural da índole do homem o chamasse mais para ali.
Os serões de Manuel Quintino, aqueles seus tão apreciados serões, passavam-se todos com uniformidade tal, que, por um, se ficava, com raras excepções, a conhecê-los todos.
O fim da tarde e a noite daquele dia em que se passou a parte das cenas que havemos descrito até aqui podem oferecer-nos uma perfeita amostra deles.
Manuel Quintino, depois de jantar, viera assistir, da varanda do ocidente, ao espectáculo do crepúsculo e regalar a vista por sobre as quintas, jardins, casas e alamedas do vasto panorama que o mar cingia de zona prateada.
A tarde estava de chuva, mas o vento de sudoeste conseguira romper o extenso manto que cobria o firmamento e, mostrando um pouco do azul da abóbada celeste, deixava que o Sol, no ocaso, dourasse as últimas nuvens, que daquele lado limitavam o horizonte.
As ocupações domésticas de Cecília só de quando em quando lhe permitiam assomar também à varanda, e, recostando então o braço ao espaldar da cadeira do pai, fazia notar a este as particularidades de beleza daquele vasto quadro, que o espírito pouco analítico do velho somente apreciava em globo.
– Repare naquela nuvem cor-de-rosa. Não parece mesmo uma ave com as asas abertas? – perguntava Cecília, designando uma das tais nuvens que o Sol tingia de reflexos afogueados.
– Uma ave! – dizia Manuel Quintino, fitando o objecto designado.