Uma Família Inglesa - Cap. 13: XIII - Vida portuense Pág. 147 / 432

que, havia muito tempo, ganhara o hábito de vir todas as noites ali ouvir ler os jornais, tomar chá e sustentar com o guarda-livros o mais soporífero e descosido diálogo que se pode conceber, retirando-se enfim, ao bater das nove horas, depois de agasalhar o pescoço com uma manta de lã, a qual levava sempre de prevenção para toda a parte. Chamava-se José Fortunato; fora em tempo negociante de cereais; nesta época era proprietário de prédios velhos, possuidor de papéis de crédito, homem de hábitos pacíficos e ideias conservadoras, modesto no vestir, discreto no falar, fazendo ao jantar o seu forte no cozido, e, entre as maiores extravagâncias da sua vida actual, contando a de comprar, de quando em quando, uma lagosta para comer de salada.

Era destes sujeitos fiéis observadores das leis comerciais e rigorosos nas suas contas, a ponto de poderem parodiar uma das petições do Padre-Nosso, dizendo: – Fazei que nos paguem, Senhor, as nossas dívidas, assim como nós pagamos aos nossos credores.

Esta quotidiana visita a Manuel Quintino tornara-se já para o Sr. Fortunato uma necessidade, e de igual forma a presença e o conversar do ex-negociante de cereais, conquanto pouco férteis em distracções, não eram menos precisas ao pai de Cecília, que estava naquela idade em que os hábitos imperam com mais força e menos se amoldam os génios às exigências de hábitos novos.

Passados os cumprimentos de tarifa, José Fortunato tomava assento ao lado de Manuel Quintino, e principiava entre eles um diálogo, que, com as variantes que o leitor prevê, era deste teor e forma:

– Muito frio, Sr. Fortunato – dizia um.

– E muita chuva – respondia o outro, ajeitando-se. – Esteve hoje lá em baixo?

Pergunta ociosa.

– Estive.

– Então que se diz de novo?

– Nada.





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