– O rio vai muito cheio?
– Parece que começa a baixar um pouco.
– Sempre está um tempo, santo nome de Deus!
– E que desgraças tem já causado!
– Que eu dou-me melhor com o frio – acrescentava daí a instantes Manuel Quintino.
– Eu lhe digo, eu também, para que digamos, não passo mal no Inverno; tenho mais apetite; mas esta catarral…
Tossia, para exemplo.
Todos os dias diziam isto um ao outro.
– Para as terras é que isto vai mal.
– Já tudo está por a manta de Judas.
Frase da linguagem popular, que quer dizer, não sei porquê, que tudo está caro.
– Pois a carne?!
– Se deixaram ir todo o gado para o estrangeiro! Devia fazer-se uma lei que proibisse esse desaforo.
Alvitre económico que ainda não perdeu de moda.
– Isto está o diacho!
Este apotegma fechava quase sempre, e com chave de ouro, o diálogo. Calavam-se os dois.
Cecília, que esperava por este silêncio e já por hábito sabia o que significava, ia então buscar as folhas do dia e preparava-se para ler; os dois velhos dispunham-se a escutar.
Qualquer deles experimentava um prazer indefinível em ouvir ler Cecília.
Lia com tanta inteligência e graça, que o Sr. José Fortunato confessava que muitas vezes, ouvindo-a, entendia coisas em que debalde tentara penetrar, a grandes esforços de leitura própria.
Era uma cena curiosa aquela.
A compaixão paternal só perdoava a Cecília a secção dos anúncios; o mais tudo lhes lia a condescendente rapariga; o artigo de fundo, com resignação; com intrepidez, as notícias estrangeiras; com curiosidade, as locais; o folhetim, com mais vontade, e tudo sem o menor constrangimento que pudesse aguar aquele prazer dos seus ouvintes.
O génio de Cecília nem sempre lhe permitia proceder, sem comentários, àquela leitura toda.