Corajoso até à imprudência, liberal até à prodigalidade, sincero até à rudeza desatenciosa, os seus maiores defeitos não passavam de nobres qualidades, levadas ao excesso.
O que ele não sabia, ou não podia, era conservá-las no ordeiro meio termo, tão respeitado pela sociedade.
O sangue dos vinte anos fazia doidejar aquela cabeça; os instintos generosos faziam o tormento daquele coração, porque se uma, em momentos de exaltação, conseguia romper com as generosas repugnâncias do outro, a reacção era infalível, e este, mais tarde, obrigava-a a arrepender-se, descobrindo, e exagerando até, as nem sempre remediáveis consequências dos seus desvarios e caprichos.
Carlos era destes homens que encerram e alimentam no próprio seio o seu principal inimigo.
Entre Carlos Whitestone e o pai existia um cordial e puro afecto, ainda que disfarçado, em ambos eles, sob aparências de frieza e de reserva da mais genuína índole britânica.
Raras vezes se procuravam os dois, e sempre que, nas ocasiões ordinárias, se viam juntos, poucas palavras trocavam. Quando mais solta se desenvolvia a loquacidade de Mr. Richard na presença do filho, era ao saborear os últimos cálices, depois do jantar de família; mas, ainda então, a conversa quase se reduzia a uma espécie de extenso e variado monólogo, recitado por aquele e interrompido por este apenas com algumas frases de assentimento, em que predominavam os Yes, ao mesmo tempo que os lábios se armavam de um sorriso de complacência – nem sempre segura fiança de atenção.
Carlos respeitava o pai, amava-o até com extremos capazes de lhe inspirarem os maiores sacrifícios, e contudo evitava-o, como se, junto dele, se não achasse à vontade.