E diz-se então que soube gozar da vida o que voluntariamente se privou das mais gratas impressões que podem sentir-se nela!
Isto dizia, ou antes, pensava Carlos, ao entranhar-se cada vez mais no pinheiral e respirando a pleno peito a atmosfera balsâmica do lugar.
– Nem eu sei – prosseguiu ele – como ainda experimento prazer, ao achar-me aqui só. Nos hábitos de vida que fiz meus, perde-se até a faculdade de saber sentir assim, a sós; quando é talvez desta maneira que a imaginação mais subtil se mostra…
Vejam os leitores até onde iam já arrastando Carlos os atractivos daquela solidão suburbana!
Operou-se porém uma transformação nas suas ideias, que parecia vogarem, e à vela cheia, seduzidas pelas doçuras da vida de anacoreta. Um pensamento, menos misantropo, mais social, fê-las mudar de rumo.
– Mas não – reconsiderou ele – não basta sentir; é necessário transmitir as expressões dos nossos sentimentos, e os troncos das árvores, afinal de contas, não são os confidentes mais próprios. Tudo precisa de reflectir-se, para se não perder na imensidade; a luz, num espaço vasto, dissipa-se; o som esmorece; o sentimento parece também enfraquecer, se outro coração, reflectindo-o, o não reforça. É por isso que a presença de um amigo… Mas que amigos tenho eu?
Tremo deveras pelos chamados amigos de Carlos, ao vê-lo disposto a responder a esta pergunta que fez a si próprio.
– F… – continuou ele – cuja amizade não resistirá à primeira falta de senso que lhe notar num folhetim; C… que romperá comigo, se eu tiver a franqueza de lhe apontar o menor defeito de equitação; L… que abandonaria o amigo, logo que o visse seguir um terreno, onde ele corresse o perigo de enlamear as botas de polimento…, e todos os mais da mesma força. Vão lá escolher um desses homens para companheiro nestas viagens sentimentais.