– Que é isso? – disse o militar, que lhe ficava defronte. – Respiraste a peste nessa carta?
– O nosso Manrique terá de correr a salvar a sua Leonora das garras de um conde de Luna? – disse o dilettante.
– Ulisses voltou aos lares domésticos; o que vale por um mandado de despejo aos…
– Um capelista, menos atencioso, insiste pelo pronto pagamento de uma avultada conta de enfeites.
– Um dominó leva a sua ingratidão até…
– Já vão numerosas as hipóteses – disse Carlos, enchendo um cálice de vinho e procurando conservar às suas palavras o tom jovial do princípio da noite; depois acrescentou: – este bilhete era para me recordar…
– Ai! recordações!…
Te souviens-tu, de même,
De nos transports brulants…
– Para me recordar que era hoje o dia de meus anos – concluiu Carlos.
– Deveras!
– É o que eu te digo.
Quand tu m’as dit: «je t’aime!»
J’avais alors vingt ans.
– E estavas calado com isso.
– Se o ignorava! Quando soubesse a tempo, não me teriam aqui.
– Então? Receber-nos-ias em tua casa?
– Também não. Costumo consagrar estes dias exclusivamente à vida de família.
– Oh! oh! sentimentalismo!
– Britânico! Pés no fender, punch na mesa, Times na mão. E de quando em quando um monossílabo rosnado, ou uma interjeição que produz na garganta o efeito do ácido prússico. Delicioso!
– Deve ser um céu aberto!
– Mas céu inglês, um pouco turvado de nevoeiros.
– E de carvão de pedra.
– Não esquecendo uma paráfrase de algum texto bíblico.
– E umas variações vocais sobre motivos do God save.
Carlos sorriu, respondendo:
– Creiam-me, de vez em quando, tem seus prazeres também um dia passado assim.
Eu quero acreditar que, dos circunstantes, muitos, se não todos, sentiam a verdade do que acabara de dizer Carlos, e também possuíam faculdades para apreciar estes íntimos gozos de família; mas envergonhavam-se de fazer tão claro, e em plena ceia de Carnaval, tal confissão.