– Escute. Eu sei os favores que lhe devo e sei a fé que se pode depositar no seu carácter, que será tudo quanto quiserem menos capaz de uma infâmia.
Carlos escutava-o cada vez mais admirado.
Manuel Quintino prosseguiu, aumentando-se-lhe o embaraço com que principiou:
– Mas… no mundo em que vivemos, há a verdade e há as aparências e… não basta somente atender à primeira, é preciso também salvar as outras…
– Mas a que vem tudo isso? – perguntou Carlos.
– A propósito de uma… de uma loucura, mas que, apesar de saber que o é, eu tenho obrigação de atender. Esta manhã veio ter ao escritório, pela posta interna, uma carta anónima. Queira lê-la e depois dirá o que devo fazer.
A carta, cuja letra era visivelmente disfarçada, dizia:
«Alguém, que toma a peito a reputação dos seus amigos, avisa-o de que as visitas do Sr. Carlos a sua casa estão já dando que falar à vizinhança. Lembre-se de que, pela sua reputação, esse rapaz é uma visita pouco própria em qualquer casa onde existe uma menina de dezoito anos.»
Assinado: «Um amigo desinteressado.»
Carlos, acabando de ler esta carta, passou-a para Manuel Quintino, dizendo-lhe com profundo desprezo:
– Estas são ferroadas de insectos que se esmagam com o pé.
– Não julgue que me deixo levar por esses protestos de amizade desinteressada – disse Manuel Quintino –; mas, tanto pior se, como suspeito, há antes malevolência nisto. A boca, donde saíram estes conselhos, espalhará a calúnia; e, se tenho coragem para me rir dela, quando se refira a mim só, estalar-me-ia o coração, se de minha filha se dissesse uma só palavra que a afligisse, que lhe causasse uma lágrima.
– Tem razão – respondeu Carlos, curvando a cabeça, pensativo.
– Agora diga; que me aconselha que faça? Confio no seu cavalheirismo, e por isso é a si e a mais ninguém que peço conselho.