Operou-se completa mudança de cena, digna, pela celeridade, de um tablado inglês. – Em poucos momentos, um bando de rapazes invadiu o quarto; e cedo, cadeiras, mesas, sofás e leito foram ocupados por eles, como por um enxame de abelhas. – Tudo era desordem minutos depois.
– Então que é isto? Que é isto? Que quer dizer esta misteriosa reclusão? – perguntava um, estendendo-se no sofá, em postura digna do sultão.
– Como se há-de explicar este eclipse total de um dos mais luminosos astros da nossa brilhante plêiade? A Vénus do proscénio do S. João chora por ti; o génio que preside à feitura das costeletas da Águia esmorece; no Guichard a deusa do paradoxo lamenta um dos seus mais fervorosos servos; é uma série de calamidades por aí além. Como as explicas tu? – Isto dizia outro, vazando meio vidro de curious essence sobre o fino lenço de bretanha.
– Expliquem-nas como quiserem – respondeu Carlos, sentando-se com enfado, que não procurava encobrir.
– Ora que tem isso que explicar? – disse o do sofá. – Não falaram aí em eclipses? As minhas recordações de liceu dizem-me que o eclipse é em geral o resultado da interposição de um astro entre nós e o eclipsado. Procurem aquele que no-lo tem oculto…
– Imaginem que estive doente – acudiu Carlos, tentando desviar a conversa da direcção que este seu amigo lhe dera.
– Rejeitada a explicação por maioria – bradou um rapaz louro e de modos feminis, tipo de Apolo, de cake, cartaz vivo de cabeleireiros e alfaiates, ajeitando ao espelho as complicadas madeixas de um cabelo monumental.
– Por unanimidade – bradaram mais dois.
– Adopto-a eu – contraditou um, ocupado a despejar quantas gavetas encontrava à procura de lume para acender o charuto. – Carlos está doente, mas… do coração… Pois que é o amor?
– Ah che d'amore
fiamma io sento
trauteou o do toucador, cantando a ária de Rosina.