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Capítulo 29: XXIX - Os amigos de Carlos

Página 330

– A tua alma está doente, Carlos – sentenciou um estudante de medicina, que era tido na conta de espirituoso. – E essa patologia é a minha especialidade.

– Que fale a ciência então; que fale a ciência – exclamaram alguns.

O estudante sentou-se ao lado de Carlos, revestiu-se de um ar de gravidade doutoral e, tomando-lhe o pulso, principiou:

– A alma padece de mui variadas formas. Temos os pruridos da dúvida, doença crónica nos filósofos que procuram a certeza; hipertrofias de crenças, mal frequente aos vinte anos; aneurismas de aspirações, muito vulgares em bacharéis formados; icterícias de desespero, nos chefes de família numerosa; fracturas de carácter, nos homens políticos; luxações de senso comum, nos poetas; paralisias de ociosidade, nos empregados públicos; dispepsias de indignação, nos contribuintes; noli me tangere de susceptibilidades, nos deputados flutuantes; convulsões de entusiasmo, em afilhados de ministros; marasmos de desalento, em pretendentes sem protecção; cancros de exigências, em diplomatas indispensáveis; epilepsias de ciúmes, nos maridos; e as cataratas do amor, em…

– É a doença de Carlos, é a doença de Carlos.

Carlos moveu-se com impaciência.

– Pois é terrível a doença! – continuou o orador. – Vejamos. Causas: – É hoje inquestionável que esta espécie de cegueira procede de ordinário da exposição do doente ao fogo e esplendor de uns olhos e ao hálito embalsamado de uns lábios de mulher. Para evitar o contágio construíram-se em tempo vários estabelecimentos higiénicos a que chamaram conventos. A doença, porém, zombou deles, como costumam fazer as verdadeiras epidemias dos lazaretos e cordões sanitários, e até no famoso hospício de Tebaida se manifestaram casos dela. A mocidade é condição favorável para se contrair o mal; porém na velhice é ele mais para temer, por demais tristes consequências.

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pág. 330 (Capítulo 29)

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Capa do livro Uma Família Inglesa
Páginas: 432
Página atual: 330

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Espécie de prólogo, em que se faz uma apresentação ao leitor 1
II - Mais duas apresentações, e acaba o prólogo 11
III - Na Águia de Ouro 21
IV - Um anjo familiar 42
V - Uma manhã de Mr. Richard 53
VI - Ao despertar de Carlos 61
VII - Revista da noite 71
VIII - Na praça 81
IX - No escritório 94
X – Jenny 110
XI – Cecília 119
XII - Outro depoimento 128
XIII - Vida portuense 139
XIV - Iminências de crise 159
XV - Vida inglesa 168
XVI - No teatro 182
XVII - Contas de Carlos com a consciência 197
XVIII - Contas de Jenny com a consciência de Carlos 212
XIX - Agravam-se os sintomas 222
XX - Manuel Quintino procura distracções 236
XXI - O que vale uma resolução 247
XXII - Educação comercial 262
XXIII - Diplomacia do coração 277
XXIV - Em que a senhora Antónia procura encher-se de razão 283
XXV - Tempestade doméstica 290
XXVI - Ineficaz mediação de Jenny 298
XXVII - O motivo mais forte 305
XXVIII - Forma-se a tempestade em outro ponto 312
XXIX - Os amigos de Carlos 326
XXX - Peso que pode ter uma leviandade 344
XXXI - O que se passava em casa de Manuel Quintino 353
XXXII - Os convivas de Mr. Richard 362
XXXIII - Em honra de Jenny 371
XXXIV - Manuel Quintino alucinado 381
XXXVI - A defesa da irmã 397
XXXVII - Como se educa a opinião pública 406
XXXVIII - Justificação de Carlos 412
XXXIX - Coroa-se a obra 422
Conclusão 432