Uma Família Inglesa - Cap. 29: XXIX - Os amigos de Carlos Pág. 330 / 432

– A tua alma está doente, Carlos – sentenciou um estudante de medicina, que era tido na conta de espirituoso. – E essa patologia é a minha especialidade.

– Que fale a ciência então; que fale a ciência – exclamaram alguns.

O estudante sentou-se ao lado de Carlos, revestiu-se de um ar de gravidade doutoral e, tomando-lhe o pulso, principiou:

– A alma padece de mui variadas formas. Temos os pruridos da dúvida, doença crónica nos filósofos que procuram a certeza; hipertrofias de crenças, mal frequente aos vinte anos; aneurismas de aspirações, muito vulgares em bacharéis formados; icterícias de desespero, nos chefes de família numerosa; fracturas de carácter, nos homens políticos; luxações de senso comum, nos poetas; paralisias de ociosidade, nos empregados públicos; dispepsias de indignação, nos contribuintes; noli me tangere de susceptibilidades, nos deputados flutuantes; convulsões de entusiasmo, em afilhados de ministros; marasmos de desalento, em pretendentes sem protecção; cancros de exigências, em diplomatas indispensáveis; epilepsias de ciúmes, nos maridos; e as cataratas do amor, em…

– É a doença de Carlos, é a doença de Carlos.

Carlos moveu-se com impaciência.

– Pois é terrível a doença! – continuou o orador. – Vejamos. Causas: – É hoje inquestionável que esta espécie de cegueira procede de ordinário da exposição do doente ao fogo e esplendor de uns olhos e ao hálito embalsamado de uns lábios de mulher. Para evitar o contágio construíram-se em tempo vários estabelecimentos higiénicos a que chamaram conventos. A doença, porém, zombou deles, como costumam fazer as verdadeiras epidemias dos lazaretos e cordões sanitários, e até no famoso hospício de Tebaida se manifestaram casos dela. A mocidade é condição favorável para se contrair o mal; porém na velhice é ele mais para temer, por demais tristes consequências.





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