– Deves-nos uma confidência – tornou-lhe o do sofá, tomando uma posição ainda mais orientalmente cómoda.
– E uma satisfação – acrescentou outro, empunhando um florete, e pondo-se em posição de esgrima.
Carlos nunca se sentira de tão má vontade para com os seus amigos.
– A coisa é fácil de explicar – disse ele secamente. – Sabem que sou, sempre fui, homem de caprichos. A agradável convivência dos meus amigos principiara a enfastiar-me de morte. Resolvi pois furtar-me ao prazer – invejável – de os ver. Aí têm. Passando-me isto, encontrar-me-ão de novo talvez, e talvez que não.
– Nada, nada. A Câmara, ouvidas as explicações do ministro, não se dá por satisfeita, nem passa à ordem do dia – replicou o do florete. – Há ainda coisas a esclarecer. Você deve-nos um relatório. Aquela célebre máscara, aquele misterioso dominó, que prometeu seguir até o fim do mundo, nas vésperas da sua sequestração? Nunca mais se falou em tal, e há quem insista em ver aí o princípio de tão súbita conversão.
Carlos recebeu uma desagradável impressão com a importuna lembrança e sentiu vontade de tomar a sério a posição bélica que o interpelante conservava, e fazê-lo arrepender de possuir tão boa memória.
Limitou-se porém a responder:
– Não me perguntem coisa alguma a esse respeito, porque nada lhes posso dizer.
– Ah! Mistérios!… Ai, amor! amor! – exclamou o do espelho, e continuou, cantando:
Dove non ride amore
Giorno non v’ha sereno…
– Deixem Carlos; um juramento, feito a horas mortas, tendo por testemunhas as estrelas, e uns olhos, mais brilhantes ainda, é sagrado.
– Nada posso dizer, porque nada sei – acudiu Carlos, despeitado pela interpretação que deram às suas primeiras palavras.
– E nada sabes, porque nada viste? Meu caro, a tua discrição vai sendo de mau gosto – disse o do sofá, executando um movimento, em virtude do qual lhe subiram as pernas cinquenta centímetros e lhe desceu outro tanto a cabeça.