Uma Família Inglesa - Cap. 29: XXIX - Os amigos de Carlos Pág. 336 / 432

Um delicado pudor de coração sobressalta-se, quando assim exposto a olhares profanos o ídolo do seu mais puro e secreto culto.

Desgostoso com os outros, não estava Carlos mais satisfeito consigo. Soltara inconsideradamente da mão a carta escrita a Cecília, e só agora reflectia na pouca delicadeza com que o fizera, e na inconveniente escolha de emissário. Um outro motivo de inquietação o perturbava ainda. No momento de expedir o criado com a mensagem, esquecera-lhe que, sendo dia santo, Manuel Quintino estaria provavelmente em casa; e como poderia Cecília ocultar-lhe o conteúdo da carta, ainda quando lhe dissesse que era de Jenny?

Todas estas considerações foram, a pouco e pouco, levando Carlos a um desses estados de impaciência e de agitação de espírito, inconciliáveis com o repouso do corpo, o qual provocam a acção, ao movimento.

As indefinidas aspirações que, em tais estados, sentimos, sendo superiores aos meios de que dispomos para satisfazê-las, acumulam em nós excessos de energia, que se revelam por uma actividade sem plano, sem fim, à qual cedemos como a necessidade orgânica, não tentando, nem conseguindo regulá-la ou conduzi-la.

Por isso, como se no limitado espaço do quarto abafasse, Carlos levantou-se para sair.

Transpunha já a porta que abria do quarto para o jardim, quando o estalar da areia sob o piso leve de alguém que caminhava na rua próxima lhe fez desviar a cabeça.

Por pouco lhe escapava dos lábios uma exclamação de prazer.

Era Cecília.

Esta inesperada aparição vinha tão completamente realizar os secretos e vagos desejos que o estavam agitando; parecia tanto ser o misterioso efeito das evocações do próprio coração, que – ilusões só concebidas por quem já assim as sentiu alguma vez – Carlos quase acreditou ser verdadeiro milagre de amor a presença de Cecília, ali, naquele momento.





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