– Mas, por outro lado, é também da minha obrigação…
– Pois então diga.
Antónia percebeu a grande indiferença de ânimo em que estava o patrão, e sentiu vontade de instigá-lo um pouco.
– Ora diga-me, Sr. Manuel Quintino, o senhor é cego?
– Julgo que não.
– Pois olhe que o parece. Então não tem conhecido mudança de génio cá na menina?
A pergunta alterou de facto o tom das respostas do velho guarda-livros; foi já voltado para a criada e com vivacidade, que respondeu:
– Tenho, sim, porquê? Você também?…
– Pois pudera! Aquilo são lá os modos dela?
– Não são, Antónia, isso não são.
– Nem para lá caminham.
– E você não sabe o que aquilo será? Ela não se lhe tem queixado de algum mal, de alguma doença?…
– Doença? Ora adeus! Que eu saiba não. Ele há muitas doenças…
– Isso sei eu.
– Pois sim, mas… algumas, em que não pensa é que… Doença do coração.
– Do coração! – exclamou Manuel Quintino, fazendo-se pálido. – Pois Cecília queixou-se do coração? Que diz, mulher?
– Adeus, que me não entende! Quero eu dizer… Olhe… afinal as coisas são assim! A menina tem dezoito anos…
– Olhem que novidade! Isso sei eu; mas queixou-se?…
– Então se sabe, se sabe, Sr. Manuel Quintino, e se se não lembra de mais nada, não sei que lhe faça.
Uma ideia surgiu pela primeira vez ao espírito de Manuel Quintino, e força é confessar que não veio muito cedo.
– Pois será?… – Voltando-se para a criada, acrescentou com modo grave: – Antónia, você diga o que sabe. Bem vê que preciso de olhar por isso. Fale, mulher.
– Pois nesse caso…, Sr. Manuel Quintino – disse a criada, como se, somente convencida destas razões, se resolvesse a falar –, eu não quero encargos de consciência, e, para seu governo, sempre lhe digo que deve vigiar por este negócio.