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Capítulo 3: III - Na Águia de Ouro

Página 39

Era o velho rapaz que falava e, erguendo-se da mesa, exclamou, enchendo o cálice:

– Às nossas conquistas desta noite!

– Apoiado! – disseram todos, imitando-o. – Às nossas conquistas!

E seguiu-se tal arrastar de cadeiras, que parecia uma tempestade.

Passados alguns minutos, desembocavam do portal da Águia os joviais companheiros, depois de um jantar que durara oito horas.

Os passos de muitos ressentiam-se do emprego desta terça parte do dia.

Um dos convivas, que estivera até ali quase sempre silencioso, tomou então o braço de Carlos e, apoiado nele, caminhou, com movimentos mal seguros, por o Largo da Batalha, dizendo, em tom confidencial e quase comovido, estas palavras, que ia entremeando com prolongadas aspirações no tubo do volumoso cachimbo:

– Carlos, tu és meu amigo; talvez o único amigo que eu tenho… Por isso vou confiar de ti a última das impressões que eu revelei em verso.… Eu gosto de falar disto só com quem me entenda. Os poetas precisam de um coração para eco. Almas de sensitiva…

Apesar da intimidade em que ia feita a confidência, muitos dos que ouviram acercaram-se dele, porque tinha certa nomeada o engenho poético e improvisador do que falava assim.

Alguns, porém, já tinham travado conhecimento com várias máscaras desgarradas, que encontravam caminho do teatro. Dois seguiam cantando a plenos pulmões o dueto da Lúcia:

Ó sole più rapido a sorger t’apresta

O poeta confidencial principiou a recitar com certo entusiasmo, quase selvagem, o seguinte hino ao tabaco, o qual, devemos confessar, não era muito para produzir eco nos corações:

No centro dos círculos

De nuvens de fumo,

Um deus me presumo,

Um deus sobre o altar!

Nem de outros turíbulos

Me apraz tanto o incenso,

Como o deste imenso

Cachimbo exemplar!

Em divãs esplêndidos,

Cruzadas as pernas,

Fuma, horas eternas,

O ardente sultão.

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pág. 39 (Capítulo 3)

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Capa do livro Uma Família Inglesa
Páginas: 432
Página atual: 39

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Espécie de prólogo, em que se faz uma apresentação ao leitor 1
II - Mais duas apresentações, e acaba o prólogo 11
III - Na Águia de Ouro 21
IV - Um anjo familiar 42
V - Uma manhã de Mr. Richard 53
VI - Ao despertar de Carlos 61
VII - Revista da noite 71
VIII - Na praça 81
IX - No escritório 94
X – Jenny 110
XI – Cecília 119
XII - Outro depoimento 128
XIII - Vida portuense 139
XIV - Iminências de crise 159
XV - Vida inglesa 168
XVI - No teatro 182
XVII - Contas de Carlos com a consciência 197
XVIII - Contas de Jenny com a consciência de Carlos 212
XIX - Agravam-se os sintomas 222
XX - Manuel Quintino procura distracções 236
XXI - O que vale uma resolução 247
XXII - Educação comercial 262
XXIII - Diplomacia do coração 277
XXIV - Em que a senhora Antónia procura encher-se de razão 283
XXV - Tempestade doméstica 290
XXVI - Ineficaz mediação de Jenny 298
XXVII - O motivo mais forte 305
XXVIII - Forma-se a tempestade em outro ponto 312
XXIX - Os amigos de Carlos 326
XXX - Peso que pode ter uma leviandade 344
XXXI - O que se passava em casa de Manuel Quintino 353
XXXII - Os convivas de Mr. Richard 362
XXXIII - Em honra de Jenny 371
XXXIV - Manuel Quintino alucinado 381
XXXVI - A defesa da irmã 397
XXXVII - Como se educa a opinião pública 406
XXXVIII - Justificação de Carlos 412
XXXIX - Coroa-se a obra 422
Conclusão 432