Era o velho rapaz que falava e, erguendo-se da mesa, exclamou, enchendo o cálice:
– Às nossas conquistas desta noite!
– Apoiado! – disseram todos, imitando-o. – Às nossas conquistas!
E seguiu-se tal arrastar de cadeiras, que parecia uma tempestade.
Passados alguns minutos, desembocavam do portal da Águia os joviais companheiros, depois de um jantar que durara oito horas.
Os passos de muitos ressentiam-se do emprego desta terça parte do dia.
Um dos convivas, que estivera até ali quase sempre silencioso, tomou então o braço de Carlos e, apoiado nele, caminhou, com movimentos mal seguros, por o Largo da Batalha, dizendo, em tom confidencial e quase comovido, estas palavras, que ia entremeando com prolongadas aspirações no tubo do volumoso cachimbo:
– Carlos, tu és meu amigo; talvez o único amigo que eu tenho… Por isso vou confiar de ti a última das impressões que eu revelei em verso.… Eu gosto de falar disto só com quem me entenda. Os poetas precisam de um coração para eco. Almas de sensitiva…
Apesar da intimidade em que ia feita a confidência, muitos dos que ouviram acercaram-se dele, porque tinha certa nomeada o engenho poético e improvisador do que falava assim.
Alguns, porém, já tinham travado conhecimento com várias máscaras desgarradas, que encontravam caminho do teatro. Dois seguiam cantando a plenos pulmões o dueto da Lúcia:
Ó sole più rapido a sorger t’apresta
O poeta confidencial principiou a recitar com certo entusiasmo, quase selvagem, o seguinte hino ao tabaco, o qual, devemos confessar, não era muito para produzir eco nos corações:
No centro dos círculos
De nuvens de fumo,
Um deus me presumo,
Um deus sobre o altar!
Nem de outros turíbulos
Me apraz tanto o incenso,
Como o deste imenso
Cachimbo exemplar!
Em divãs esplêndidos,
Cruzadas as pernas,
Fuma, horas eternas,
O ardente sultão.