– Ora que é cisma! Mas quem é o governo? Eu não sei quem é o governo! Uns valdevinos, que hoje são tudo e amanhã são nada… Faz-se o contrato com uns e amanhã respondem por ele caras novas. Não me entendo com isso. Muito bonitas falas, sim, senhores; mas como não respondem por o que é seu… E os nossos capitais…
Estes capitais eram cem mil réis por junto.
O director pedia resignação a Deus, para não romper com o obstinado.
Carlos representou aqui de enviado celeste. Tomou o braço do accionista dissidente e, sem lhe atender aos esforços, afastou-o para o passeio, dizendo-lhe a meia voz:
– O senhor já sabe do que se trata hoje na Praça? Vai organizar-se uma companhia monstro.
– Pois sim, sim; mas deixe-me, que tenho que discutir ali com o senhor…
– Ouça – insistia Carlos – é negócio de os accionistas ganharem 40 por cento, avaliando muito por baixo.
O homem, que era de ingenuidade proverbial entre os colegas, olhou para Carlos com gesto entre desconfiado e inquiridor.
Depois a frase «40 por cento» era de uma sonoridade!
A fisionomia de Carlos tomara uma expressão de sisudez irrepreensível.
– Pois sim, mas… eu agora… – dizia ainda o homem.
Carlos insistiu:
– Olhe que lhe falo a sério. É uma companhia de capitalistas ingleses que se vai meter nisso. Meu pai está encarregado do trabalho da instituição. É por isso que eu…
– Mas que é afinal? – perguntou o sujeito com curiosidade.
– Demais espera-se que o governo conceda um subsídio…
O homem teve vontade de perguntar quem era o governo, mas resistiu à tentação desta vez.
– Mas qual é o fim? – perguntou em vez disso.
– E o comércio do Porto vai ressentir-se vantajosamente deste cometimento – continuava Carlos, deveras embaraçado em organizar a tal companhia.