É preciso que se diga que Carlos sabia, por acaso, que este capitalista havia recebido, aquela mesma manhã, uma carta de Lisboa, assegurando-lhe que fora provido, no lugar disputado, um parente seu. Esta circunstância fez com que o pouco dissimulado irmão de Jenny ficasse verdadeiramente abismado diante da impavidez com que o negociante iludia o amigo. Obedecendo à franqueza pouco de sociedade, que dissemos ser um dos elementos do carácter dele, Carlos não pôde enfim reprimir-se, que não dissesse:
– Mas, senhor F., olhe o que promete; esquece-se de que o seu parente C. foi, ontem mesmo, despachado para esse lugar?
Seguiu-se uma careta entre os dois interlocutores, que trocaram algumas frases, em tais casos forçosamente tolas; fartos enfim de mastigar orações sem nexo, separaram-se friamente.
O capitalista ralhou muito com Carlos; porém Carlos ainda ralhou mais com ele pela sua pouca lisura.
E o certo é que ficaram amigos. Há nos caracteres francos e generosos, como o de Carlos, o que quer que seja que dissipa ressentimentos ainda aos mais reservados e egoístas.
Resolveu finalmente o irmão de Jenny entrar no escritório.
Ao dirigir-se para lá, viu que lhe vinha ao encontro um homem gordo, baixo e corado, que já de longe lhe estava fazendo cortesias.
Parou a escutá-lo.
– V. S.a passou bem? – disse o recém-chegado.
Carlos correspondeu ao cumprimento.
– Ora eu – continuou o homem – já há pouco fui ao escritório de V. S.a, mas nem V. S.a nem o senhor seu pai lá estavam. Eu não sei se V. S.a me conhece.
– Não, senhor – disse Carlos, entretido a olhar para o laço da gravata do seu interlocutor.
– Eu sou Anastácio Rebelo, que fiz aquele carregamento de laranjas o ano passado…
Carlos fez distraidamente um gesto afirmativo, e passou a examinar o botão do peito do Sr.