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Capítulo 9: IX - No escritório

Página 96

Momentos antes de Carlos chegar, Manuel Quintino havia dado aos escriturários duas cartas insignificantes a copiar e entregara-se ele, com todos os seus cinco sentidos, à redacção da correspondência para Londres.

Dos escriturários, um, tendo terminado a sua fácil tarefa, aproveitou-se da distracção de Manuel Quintino, tirou às escondidas da escrivaninha um romance de Paulo de Kock e pôs-se a lê-lo, com a sôfrega curiosidade dos dezassete anos; o outro, ocupou o tempo a escrever uma carta de amores à dama dos seus pensamentos, carta em que, por incidente, foram inclusas algumas alusões epigramáticas ao guarda-livros, a quem entre outras coisas se chamava «Argos desapiedado»; o rapaz de serviço, deixado também em disponibilidade, entretinha-se a perseguir as moscas da vidraça ou a traçar com o dedo letras maiúsculas nos vidros, que humedecia com o bafo. Qualquer destas três ocupações, sendo pouco ruidosa, mantinha no escritório um silêncio que agradava a Manuel Quintino.

Ele era o único a interrompê-lo, graças ao singular monólogo que estava de contínuo murmurando à pena com que escrevia.

Dava-se efectivamente em Manuel Quintino uma ilusão singular.

À força de lidar com a pena, à força de tão indissoluvelmente a ver associada ao seu destino, o velho guarda-livros acabara por julgá-la quase dotada de certa inteligência e falava-lhe, animando-a, repreendendo-a, sopeando-lhe os ímpetos, como a caprichoso corcel que se pretende guiar.

– Anda, anda – dizia ele –; que ronceira que estás hoje! Olha que não temos esse tempo, que julgas… Então?… Que é isso agora?… Pois já queres mais tinta? Depressa gastaste a que bebeste! Vá, avia-te… Bonito R! Isso não esperava eu de ti!… Adeus! Agora mais este cabelo!… E sujas-me todo!… Trapalhona!…

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pág. 96 (Capítulo 9)

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Capa do livro Uma Família Inglesa
Páginas: 432
Página atual: 96

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Espécie de prólogo, em que se faz uma apresentação ao leitor 1
II - Mais duas apresentações, e acaba o prólogo 11
III - Na Águia de Ouro 21
IV - Um anjo familiar 42
V - Uma manhã de Mr. Richard 53
VI - Ao despertar de Carlos 61
VII - Revista da noite 71
VIII - Na praça 81
IX - No escritório 94
X – Jenny 110
XI – Cecília 119
XII - Outro depoimento 128
XIII - Vida portuense 139
XIV - Iminências de crise 159
XV - Vida inglesa 168
XVI - No teatro 182
XVII - Contas de Carlos com a consciência 197
XVIII - Contas de Jenny com a consciência de Carlos 212
XIX - Agravam-se os sintomas 222
XX - Manuel Quintino procura distracções 236
XXI - O que vale uma resolução 247
XXII - Educação comercial 262
XXIII - Diplomacia do coração 277
XXIV - Em que a senhora Antónia procura encher-se de razão 283
XXV - Tempestade doméstica 290
XXVI - Ineficaz mediação de Jenny 298
XXVII - O motivo mais forte 305
XXVIII - Forma-se a tempestade em outro ponto 312
XXIX - Os amigos de Carlos 326
XXX - Peso que pode ter uma leviandade 344
XXXI - O que se passava em casa de Manuel Quintino 353
XXXII - Os convivas de Mr. Richard 362
XXXIII - Em honra de Jenny 371
XXXIV - Manuel Quintino alucinado 381
XXXVI - A defesa da irmã 397
XXXVII - Como se educa a opinião pública 406
XXXVIII - Justificação de Carlos 412
XXXIX - Coroa-se a obra 422
Conclusão 432