Momentos antes de Carlos chegar, Manuel Quintino havia dado aos escriturários duas cartas insignificantes a copiar e entregara-se ele, com todos os seus cinco sentidos, à redacção da correspondência para Londres.
Dos escriturários, um, tendo terminado a sua fácil tarefa, aproveitou-se da distracção de Manuel Quintino, tirou às escondidas da escrivaninha um romance de Paulo de Kock e pôs-se a lê-lo, com a sôfrega curiosidade dos dezassete anos; o outro, ocupou o tempo a escrever uma carta de amores à dama dos seus pensamentos, carta em que, por incidente, foram inclusas algumas alusões epigramáticas ao guarda-livros, a quem entre outras coisas se chamava «Argos desapiedado»; o rapaz de serviço, deixado também em disponibilidade, entretinha-se a perseguir as moscas da vidraça ou a traçar com o dedo letras maiúsculas nos vidros, que humedecia com o bafo. Qualquer destas três ocupações, sendo pouco ruidosa, mantinha no escritório um silêncio que agradava a Manuel Quintino.
Ele era o único a interrompê-lo, graças ao singular monólogo que estava de contínuo murmurando à pena com que escrevia.
Dava-se efectivamente em Manuel Quintino uma ilusão singular.
À força de lidar com a pena, à força de tão indissoluvelmente a ver associada ao seu destino, o velho guarda-livros acabara por julgá-la quase dotada de certa inteligência e falava-lhe, animando-a, repreendendo-a, sopeando-lhe os ímpetos, como a caprichoso corcel que se pretende guiar.
– Anda, anda – dizia ele –; que ronceira que estás hoje! Olha que não temos esse tempo, que julgas… Então?… Que é isso agora?… Pois já queres mais tinta? Depressa gastaste a que bebeste! Vá, avia-te… Bonito R! Isso não esperava eu de ti!… Adeus! Agora mais este cabelo!… E sujas-me todo!… Trapalhona!…