A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 12: XII Pág. 177 / 508

Nas Câmaras com graves diplomatas, nos cafés com rapazes estouvados, na sua aldeia com eleitores absurdos, com actores e actrizes nos bastidores, com padres nas sacristias, com militares nos quartéis, em toda a parte e com todos se achava este homem à vontade, acabando, quase sempre, por captar simpatias.

Podia dizer-se dele que, com igual perícia e rara consciência da oportunidade, jogava todas as armas: o galanteio cortesão, a frase conceituosa, o equívoco subtil, a anedota picante, o estribilho popular, a figura oratória, a máxima moral, e até a praga energicamente expressiva; mas, como os espadachins de profissão, jogava-as todas com frieza de ânimo, cada qual na ocasião oportuna e com perfeita observância do que o mundo chama conveniências sociais.

Muito tinham que fazer com ele os La Bruyères, que, a cada passo, aí encontramos no mundo; iludia os mais atilados. Às vezes parecia abrir-se tão do íntimo, tão completamente e sem condições nem reservas; havia tal unção de sinceridade nas palavras com que falava de si, dos seus projectos, dos seus sentimentos, que o mais desconfiado jesuíta sentir-se-ia tentado a acreditá-lo e nem sempre se enganaria; outras, falava verdade, mas com tais hesitações na voz, com tal mobilidade no olhar, que, ao considerá-lo, a mais ingénua criança experimentaria o despontar da primeira dúvida.

Já se vê que um homem destes era um contendor de muita força, para poder ser combatido por qualquer dos influentes locais; o próprio Brasileiro, apesar de toda a sua economia política, ainda nada pudera contra ele; nem ousara romper hostilidades com receio de ficar vencido.

Durante os poucos momentos que o conselheiro se demorou na loja do Damião Canada, soube desvanecer muitas das sombras que a conversa que precedera a sua chegada havia gerado em alguns espíritos.





Os capítulos deste livro