A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 13: XIII Pág. 193 / 508

Fora motivo destas precauções o ter já avistado, por entre os troncos e a rama baixa das laranjeiras, um vulto que se lhe afigurou conhecido.

Assim se foi aproximando sem que o pressentissem e, oculto por detrás de uma sebe de roseiras silvestres, pôs-se à espreita.

Era Ermelinda a pessoa que estava no laranjal.

Sentada sobre o tronco partido de uma laranjeira velha, que meses antes havia sido derrubada, a filha do Cancela e afilhada da família Zé P’reira, tinha todas as faculdades aplicadas à decifração dos hieroglíficos caracteres de um pequeno papel manuscrito, que segurava nas mãos, e lia a meia voz. De quando em quando interrompia a leitura e, erguendo a cabeça para o céu, parecia repetir o que lera, como se pretendesse decorá-lo.

Ângelo aplicou mais o ouvido, a ver se alguma das palavras, que ela declamava, lhe revelava a natureza do manuscrito.

De facto, de uma vez, a pequena leu em voz mais audível, e ele escutou a seguinte quadra:

- Que lamentável tragédia,
Que os meus olhos tristes viram!
E publicam minhas vozes
Àqueles que não ouviram!

E principalmente o rei,
Que se chama o rei tirano,
Nesta região remota
Do Egipto dilatado.

Depois de ler isto, a rapariguita levantou a cabeça e repetiu:

- Que lamentável tragédia, Que meus olhos tristes viram!... Ângelo saiu do esconderijo, e, sempre vagarosamente e com precaução, veio colocar-se por detrás dela, sem que fosse pressentido ainda.

Tão perto chegou, que, por cima do ombro de Ermelinda, podia já ler as quadras que ela estava decorando:

- Tenho mil línguas, mil bocas... - ia Ermelinda continuar a ler, quando uma respiração mais profunda de Ângelo a fez desviar a cabeça.

Dando com os olhos nele, soltou um grito de sobressalto; depois sorriu e instintivamente procurou esconder no bolso do avental o papel que lia.





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