A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 12: XII Pág. 182 / 508

móvel, a combinação económica que favoravelmente modificou o orçamento doméstico, a reforma nos processos culinários consagrados pelo hábito de muitos anos, o exame comparativo da conserva de um ano e da do ano antecedente, os defeitos e qualidades de um criado e mil outras pequenas coisas, que é forçoso escutar com ares de quem as acha curiosíssimas, o que obriga a esforços sobre-humanos.

É natural aquela ilusão; e patética a dissemos nós também, porque os que mais de coração se entregam à vida doméstica, são os mais sujeitos a ela. Todos estes episódios fúteis e pueris os preocupam e deliciam mais do que as mais estranhas peripécias que ainda concebeu a imaginação de romancista fecundo. E quem se lembra de que é individualíssimo esse interesse, inerentes à pessoa e não aos factos as causas que tão curiosos lhos fazem ser? Eu e o leitor, estranhos à família do Mosteiro, ver-nos-íamos, se fôssemos escutar o diálogo que se travou na sala, na posição da pessoa indiferente que imaginamos a aturar um desses relatórios domésticos, a que sobretudo são tão inclinadas as mães de família.

É verdade que o conselheiro parecia achar curiosa a conversa; e o conselheiro tinha visto e ouvido tanto no Mundo, que o que ele achasse curioso é porque realmente o era. Desta vez, porém, damo- -lo por suspeito, porque o conselheiro tinha coração e, quando esta víscera se alvoroça com afectos, as inteligências mais elevadas têm destas simpáticas fraquezas.

O político, o diplomata reservado, ficava fora do portão da quinta do Mosteiro; ali dentro, naquele círculo de afectos, era o pai extremoso, o homem de família, ingénuo, sincero, aberto a todos, porque em todos confiava, contente por não ter de estudar na expressão dos rostos os pensamentos que se guardam; nas palavras, o sentido que nelas não vem explícito.





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