A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 14: XIV Pág. 209 / 508

O conselheiro e Henrique ajoelharam sisudamente ao lado daquelas boas senhoras, e, quando, após um dos Padre-Nossos, ditos por D. Doroteia, se devia seguir a resposta do coro feminino, este, emudecido com a chegada dos dois, a qual desafiara risos a custo sufocados, foi substituído por um dueto de vozes masculinas, que sobressaltaram primeiro, e escandalizaram depois ambas as sisudas senhoras.

O tumulto que o episódio produziu fez atrair as crianças; D. Vitória teve muito que fazer, muito que repreender o cunhado, muito que ralhar com os filhos e com o sobrinho, muito que carpir-se com D. Doroteia, muito que recriminar os criados, rindo-se, bem a seu pesar, no meio de todas estas tarefas.

Terminou confusamente a novena com tal ocorrência. Os desordeiros somente capitularam, consentindo em retirar-se, quando lhes prometeram que se encurtaria a lista dos Padre-Nossos. Henrique voltou com o conselheiro a admirar o primor que a paciência de um artista imaginoso realizara na confecção do presepe, onde estavam representados todos os episódios da natividade de Jesus, e muitos outros.

Era efectivamente uma complicada máquina aquele presepe, e seria prova de profunda indiferença artística passar por ele sem um exame, embora fugaz.

Este traste, antiquíssimo na família, gozava de nomeada num círculo de léguas em redor. Havia empenhos para o ver no tempo do Natal, e, se algum viajante estacionava dois dias na aldeia, encontrava sempre quem lhe recomendasse o visitar o presepe, como coisa digna de ver-se.

Consistia ele numa espécie de Santuário de pau-preto, no meio do qual havia uma pequena gruta toda cravejada de caramujos, e rosas de papel com estames de fio de prata. Dentro desta gruta estava deitado o menino Deus, não sobre umas palhas, como a tradição refere, mas graças aos impulsos do compadecido coração de D.





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