A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 15: XV Pág. 230 / 508

Acharia justificado o quase terror, com que Madalena e Ângelo escutaram a nova desta expropriação, quem conhecesse a vivenda rústica do ervanário e soubesse do amor que ele votava a cada objecto dela, assim como da vida que, havia tantos anos, ali vivia, escondido e obscuro.

Para o quintal, que a abundância das árvores de espinho fazia sempre verde, abriam-se as janelas da pequena e humilde saleta, onde o ervanário se entregava às suas leituras e lucubrações científicas.

Logo ao pé da porta se estendia o jardim, em parte de recreio, pelas flores que o adornavam, em parte de utilidade, pelos símplices medicinais, de virtudes mais ou menos problemáticas, que o velho nele cultivava.

Vicente tinha entranhada a paixão vegetal, deixem-me assim chamar-lhe. Adorava as plantas pelas suas flores, pelos seus frutos e pelos poderes curativos que lhes atribuía. E, como se elas possuíssem a responsabilidade dos efeitos produzidos, assim lhes queria e as animava, quando salutares; assim as aborrecia e maltratava, quando nocivas. A vida insulada e o génio do velho, que sempre fora dado a singularidades, aumentaram estas disposições, que tinham o que quer que era de panteístico; e não era raro surpreenderem- no conversando com elas, como se convencido de que o estavam compreendendo.

A borragem, a salva, a fumária, a erva-terrestre, a erva-moura, os trevos, os gerânios, as papoulas, as violetas tão boa camaradagem lhe faziam, que nem lhe deixavam sentir a solidão.

O ervanário não tinha pessoa alguma ao seu serviço. Ele próprio cozinhava e por suas mãos fazia todos os mesteres domésticos.

É, pois, de imaginar que não seria muito complicado o banquete das consoadas naquela casa, e que devia formar em tudo contraste com o que à mesma hora se celebrava no Mosteiro.





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