A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 18: XVIII Pág. 282 / 508

Os risos e as galhofas desordenaram, segundo o costume, por muito tempo a regularidade do espectáculo. Todos tiravam pitadas, todos falavam e riam e guinchavam, todos fingiam espirrar e não se ouvia senão: «Dominus tecum» e «Deus te salve» no meio de toda aquela confusão. Porém a um sinal de mestre Pertunhas, que deixou por um pouco folgar o espírito das massas, tudo entrou na ordem.

Preparava-se nova transição dramática. O criado, que vai a sair, volta, dizendo com gesto espantado e tom exclamatório:


Jesus, Jesus, que é isto?
Jesus do meu coração!
O sinal da cruz me livre
De tão terrível visão.

Era a Fama que aparecia.

Ermelinda entrava em cena.

No meio daquelas figuras rústicas, e mais ou menos grosseiras que entravam no auto, a figura delicada e angélica de Ermelinda produzia tão completo contraste, que um murmúrio significativo de profunda sensação correu pelo auditório.

Ermelinda estava surpreendente de formosura. Haviam-se associado ao que era nela dotes naturais os cuidados de Madalena e de Cristina, para lhe darem a aparência superior.

O próprio Henrique, que até ali estivera comentando maliciosamente o espectáculo, não pôde reter uma exclamação de surpresa, que foi secundada por o conselheiro. É que parecia que um verdadeiro anjo ocupava agora a cena.

A simplicidade do vestir concorria para esse efeito.

Ermelinda trazia uma longa túnica alvíssima e de amplas mangas, que lhe descia solta dos ombros sem sacrificar a menor beleza dos graciosos contornos e esbeltas proporções daquela criança, que prometia ser uma mulher escultural. Os cabelos, cuja cor loira era de uma pureza rara, caíam-lhe desatados e profusos sobre os ombros, brilhando como fios de ouro, na alvura dos vestidos; a fronte ficava-lhe livre, e o oval das faces sobressaía naquela moldura natural.





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