A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 29: XXX Pág. 453 / 508

Apoderou-se de todos os circunstantes um sentimento quase de pavor, perante aquela figura anciã e alquebrada, que se dissera erguida do túmulo para responder à voz que o evocara. Todos se lhe afastavam do caminho com respeito, se não com supersticioso terror.

Fez-se ali dentro o maior silêncio, silêncio só interrompido pelo som dos passos arrastados do Vicente sobre o lajedo da igreja.

O conselheiro não pôde mais desviar os olhos do vulto venerando do ervanário; naquele velho, que fora seu companheiro de infância, parecia-lhe estar vendo agora um severo acusador da sua insensibilidade política, a personificação de um remorso pungente, a primeira aparição de um espectro, que devia persegui-lo no futuro.

Todos os da mesa se levantaram instintivamente, e, imóveis, viam aproximar-se o velho eleitor, que já supunham à borda da sepultura.

Aquela assembleia, erguendo-se silenciosa e reverente à chegada de um pobre velho, trémulo e enfermo, que seguia apoiado ao braço de um pálido mancebo, tinha uma aparência profundamente solene.

O Morgado das Perdizes, deveras afeiçoado ao ervanário, não teve mão em si, ao vê-lo assim doente e enfraquecido, que lhe não viesse ao encontro, dizendo comovido:

- Ó Tio Vicente!... Pois nesse estado!...

O velho fez um gesto enérgico para afastá-lo de si.

- Arreda-te! - disse com severidade - deixa-me, serpente, que mordes a mão do teu benfeitor! Não me apareças, que não quero ter-te na ideia, quando estiver a expirar!... O morgado ficou transido de espanto e de consternação ao ouvir estas palavras.

- Ó Tio Vicente!... - exclamou, ajuntando as mãos. - Pois eu que lhe fiz?

- Cala-te. Deixa-me passar, que quero, como homem desta terra, protestar contra a iniquidade que tu e os teus praticam hoje, apedrejando aquele a quem deveis tudo.





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