Uma Família Inglesa - Cap. 23: XXIII - Diplomacia do coração Pág. 280 / 432

Agitou-se ainda algum tempo a discussão a respeito de assuntos desta natureza.

Carlos foi durante ela sempre sério; Cecília, a cada momento, a interrompia com o riso, que lhe desafiava a estranha lição, que nunca esperava ter de dar a um discípulo deste género.

Em quase todos os serões passados em casa de Manuel Quintino, os colóquios entre Carlos e Cecília versaram sobre objectos de igual transcendência e sustentaram-se em um tom da mesma gravidade que este que registamos.

Aí estão uns colóquios inofensivos e inconsequentes, pensará talvez o leitor. Pois engana-se, se pensa assim. Recorde-se da sentença de quem, nestas coisas de amor, escreveu ex professo:

Parva leves capiunt animos

De facto, nada há de tanta influência para o coração como um colóquio assim, bem fútil, bem insignificante, no estado a que haviam chegado os sentimentos de Carlos e de Cecília.

Quanto mais ligeiro, quanto mais pueril é o assunto de um diálogo destes, tanto mais se empenham os corações dos que o sustentam.

Os diálogos amorosos, que estamos costumados a escutar entre o galã e a primeira dama, no tablado dos teatros, ou a ler nos capítulos dos romances, diálogos cortados de interjeições e cheios de subtis teorias do mais acrisolado sentimento, são excepções na vida real; e, quando se dão, sai-se deles mais livre, mais disposto a esquecer, menos propenso a sonhar; servem como de expansão aos afectos acumulados – expansão em que estes às vezes completamente se dissipam. Mas os constrangimentos, os silêncios, dos quais a imaginação em vão procura livrar-se e, sobretudo, o conversar aturado sobre mil coisas fúteis e indiferentes, isso sim, que é bem mais para temer; porque, enquanto dura a troca recíproca de fórmulas insignificantes, o coração põe em campo outros emissários secretos e invisíveis, que adiantam consideravelmente as negociações pendentes e conseguem realizar a entrega da praça, sem o mínimo combate manifesto.





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