As Aventuras de Tom Sawyer - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 15 / 174

Entretanto a consciência remordia-lhe e estava desejosa de dizer alguma coisa que mostrasse a sua ternura pelo sobrinho, mas, julgando que isso equivalia a confessar que não estava na razão, achou-o contrário à disciplina. Assim, calou-se e foi tratar da sua vida com um peso no coração. Sentado a um canto, amuado, Tom exagerava a sua desdita. Sabia bem que a tia estava arrependida e isto consolava-o de certo modo, mas fazia de conta que não dava por nada. Sabia que de vez em quando ela lhe deitava um olhar velado de lágrimas, mas fingia que não percebia. Via-se doente, a morrer, com a tia curvando-se sobre ele a suplicar uma palavra de perdão, enquanto ele se virava para a parede e morria sem dizer essa palavra. O que sentiria ela então? Via-se tirado do rio, morto e trazido para casa, com os caracóis encharcados e o coração magoado em repouso, como ela se arremessaria para ele, chorando abundantes lágrimas, como os seus lábios rezariam a Deus pedindo que lhe restituísse o seu rapaz e prometendo nunca mais ser injusta para ele! Mas então estaria ali, frio e branco, sem fazer um movimento, uma pobre vítima cujos desgostos tinham chegado ao fim. Pensou tanto nestas coisas que, para não se engasgar, tinha de estar constantemente a engolir; os olhos enchiam-se-lhe de lágrimas que transbordavam cada vez que pestanejava e lhe corriam até à ponta do nariz. Deliciou-se a tal ponto a pensar nos seus males que não podia aceitar, sequer, a ideia de uma alegria terrena. Sentia-se demasiado elevado para poder suportar qualquer contacto, por isso, quando, passados momentos, a sua prima entrou a dançar, cheia de vida e alegria por voltar a casa depois de uma semana de ausência no campo, levantou-se e fugiu para a escuridão da rua.

Vagueou por sítios muito diferentes daqueles que os rapazes costumavam frequentar e procurou lugares desolados, em harmonia com o seu estado de espírito. Uma jangada no rio pareceu convidá-lo. Sentou-se ali e olhou a vastidão imensa da corrente, desejando morrer afogado no mesmo momento, inconscientemente e sem ter de suportar os sofrimentos habituais. Lembrou-se da flor. Tirou-a para fora, murcha e engelhada. O seu prazer doentio aumentou. Gostava de saber se, quando «ela» soubesse, teria pena dele. Choraria e lamentaria não poder deitar-lhe os braços ao pescoço para o confortar? Ou afastar-se-ia friamente como todas as outras pessoas?





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