A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 7: VII Pág. 102 / 508

- Em paga da boa vontade com que trabalhas vou dar-te uma alegre nova.

- A mim? Diga.

- Trago-te visitas de alguém, que em poucos dias te dará, em vez de visitas, um abraço.

- De quem? Ah!... Ângelo escreveu-lhe?

- Como adivinhaste depressa!

- Pois de quem mais havia de ser? Mas diz que... em poucos dias... Então?...

- Tê-lo-emos cá pelo Natal.

- Fala verdade?

- Assim mo diz nesta carta. Queres ler?

- Para quê? - respondeu a rapariga, fitando porém o papel com os olhos cheios de curiosidade.

- Ora lê, lê... Até para ver se ainda te recordas das lições que eu te dei.

- Ai, lá isso.... Mas, o caldo do meu padrinho...

- Deixa que o lume é que o há-de aquecer e não a tua presença.

Ermelinda aproximou-se; tomando a carta das mãos de Augusto, começou a lê-la com intensa curiosidade.

Zé P’reira prosseguiu no seu monólogo:

- A religião, senhores - dissertava ele - não manda tal... Isso é que não manda... A religião é a palavra de Deus... e Deus disse... sim... Deus disse... Deus disse muita coisa... Disse que por este deixarás pai e mãe. Ora a Santa Madre Igreja é mãe, é, sim, senhores; que tem lá isso? mas não é mais mãe do que a outra mãe... e então... senhores, uma mulher não deve deixar por ela o seu marido; porque o marido, senhores, é o tudo de uma casa, e o ganha-pão da família. Ora, senhores, que é forte desgraça... O monólogo do desconsolado cônjuge e a leitura de Ermelinda foram interrompidos por uma voz potente, que cantava na rua: O dinheiro paga tudo, Não se fica a dever nada; Toma, toma o limão verde, Ó da fresca limonada.

E logo em seguida estalaram as tábuas do soalho no corredor sob uns passos pesados e ruidosos, e no limiar da porta da cozinha desenhou-se a figura agigantada e hercúlea do recoveiro Cancela, pai de Ermelinda.





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