A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 8: VIII Pág. 115 / 508

Quase todos os grandes homens cometem esta ingratidão.

Falam nos seus mestres de filosofia, de matemática, de literatura, e não salvam do esquecimento, pronunciando-o, o nome do primeiro mestre, do que os ensinou a ler.

Considerações da ordem das que acabámos de fazer, quero acreditar, não são as que mais preocupam o pensamento da maioria desses pobres diabos, que, por noventa mil réis anuais, se deixaram ligar à atafona do ensino primário da aldeia; porém, devem ser, além das misérias de tão mesquinha sorte, causas de grandes torturas morais para alguma alma de instintos e aspirações mais elevadas, que o destino amarrasse, como por escárnio, a este poste de expiação. Nesse caso estava por certo a alma de Augusto. No vasto mundo, que os livros abrem às imaginações, que na vida real não encontram deleite, refugiava-se ele nas horas em que as suas obrigações lhe permitiam respirar.

Desta vez, porém, por pouco tempo lhe foi dado saborear esse prazer.

Soaram nos vidros da janela pancadas repetidas e chamou-o de fora uma voz bem conhecida dele.

Era a do mestre de latim, o Sr. Bento Pertunhas.

- Sr. Augusto, ó meu querido Sr. Augusto, Amice! Pode falar a um amigo e colega? - dizia ele.

Augusto foi abrir-lhe a porta, não reprimindo um gesto de enfado.

O latinista entrou, esfregando as mãos.

- A ler, hem? sempre a ler! sempre amarrado aos livros! - dizia ele, batendo no ombro a Augusto. - Invejo-lhe mais a pachorra do que o proveito. Olhe que não medra com isso; nem ninguém lhe agradece as canseiras que toma. Meu rico, por dois dias que um homem passa cá neste mundo, tolo é o que se mata. E então neste país!... Faça como eu.

E, imitando com a boca os sons da trompa, seu instrumento predilecto, pôs-se a examinar os livros, que via sobre a mesa.





Os capítulos deste livro