A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 10: X Pág. 157 / 508

O ervanário, que, prevendo tempestade e receoso dos perigos de que em tais condições a descida era acompanhada, se apressara a partir, não conseguira chegar ao ribeiro antes do desencadeamento da borrasca. O andar vagaroso e precavido do velho e as frequentes pausas que fazia, ou para descansar ou para colher a rara planta montesinha, o insecto, o verme, o molusco ou o mineral de ocultas virtudes, elementos da sua farmacopeia, foram-no retardando, de maneira que a chuva apanhou-o a meio caminho, e mais difícil de descer lhe tornou a metade que lhe faltava. Assim, não obstante haver partido antes dos outros, não lhes levava muitos passos de avanço.

Ao chegar à levada, encontrou já as pedras do tosco passadiço, a que se dava o nome de ponte, cobertas pela água. O velho deu-se pressa em descer para a passar ainda a pé enxuto; mas a levada, agora torrente caudalosa, ganhava corpo de momento para momento; cedo já não se viam sinais de ponte. O ervanário parou, embaraçado. Acima ficavam-lhe os açudes, transformados em impetuosas cataratas; abaixo, o moinho, em cujas enormes rodas espumava a corrente com espantoso fragor.

O velho Vicente hesitou. Era para causar vertigens o que via.

As águas, sem transparência, ocultavam de todo a vista das pedras.

Tenteou com o bordão o sítio, em que as supôs. Encontrou a primeira, e poisou um pé nesse ponto; firmou-se como pôde, para resistir à força da corrente; tenteou outra vez, reconheceu outra pedra, deu mais um passo, e outro, até que, de repente, ou por esvaimento de sentidos ou por se firmar em falso, vacilou e, perdendo o equilíbrio, caiu na levada para o lado dos moinhos.

Foi neste momento que Augusto chegou; viu-o pois cair, viu-o estrebuchar, lutando com a impetuosidade das águas; reconheceu a urgente necessidade, para evitar uma horrível desgraça, de acudir, sem perda de tempo, ao pobre velho, que a corrente arrastava para os lados do moinho.





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