A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 14: XIV Pág. 208 / 508

Aqui eram as crianças jogando, a pinhões, o «par-ou-pernão» e o «rapa», jogos popularíssimos e da ocasião, que, de tão conhecidos, dispensam o trabalho de descrevê-los. Estes jogos, como é de prever, não se executavam sem um concurso de vozearia e de algazarra, que desafiava a impaciência de D. Vitória, a qual, segundo o costume, ia, pelo que se passava na sala, ralhar com os criados à cozinha.

No aposento imediato ao quarto de D. Vitória, armara-se o presepe, diante do qual ardiam seis velas de cera em castiçais de prata maciça.

As duas velhas senhoras, D. Doroteia e D. Vitória, encetaram logo no princípio da noite uma longa e devota reza, meio recitada, meio cantada, a qual se continuava com uma interminável enfiada de Padre-Nossos e Ave-Marias, a que respondia, em coro, a parte feminina da família, as crianças e as criadas.

Corifeu era a senhora de Alvapenha, que, em voz trémula e quebrada pela idade, entoava em singela cantilena coplas como esta: Ó infante suavíssimo, Vinde, vinde já ao Mundo Livrar-nos do cativeiro Deste jazigo profundo.

E seguia-se um Padre-Nosso e uma Ave-Maria.

Ângelo havia ao princípio, com as suas travessuras, desordenado um pouco o andamento regular das rezas, mas D. Vitória tomou o heróico expediente de o expulsar do congresso, e tudo serenou.

À sala, onde Henrique de Souselas conversava com o conselheiro em assuntos, todos desta vez longe da política, chegaram as surdas harmonias daquelas cantigas e rezas. Henrique mostrou curiosidade de saber o que era aquilo. O conselheiro, sorrindo, convidou- o a segui-lo para por si próprio se poder informar.

E, tomando por aposentos interiores, conseguiram ambos introdução na sala da novena, justamente ao lado de D. Vitória e de D. Doroteia, que, de embebidas que estavam nas suas orações, nem por eles deram.





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