A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 14: XIV Pág. 217 / 508

fossem orar ao templo; ceia com tanto afã cozinhada, e com tão pouca vontade comida, falem embora contra ti os médicos e os gastrónomos eméritos, condenando uns a indigestibilidade dos teus cozinhados, outros o pouco delicado deles; reage contra as ideias novas, que vêm da França e da Alemanha; cerra as fornalhas às iguarias exóticas e furta-te às mãos da estranha geração de Vatéis, que aspiram a dominar pelos paladares o espírito nacional.

Modifiquem embora o carácter vernáculo de todas as outras refeições, mas respeitem esta, consagrada pelas memórias da família, justificada pelo facto de que quase não é feita para ser comida.

Assim sucedia com a do Mosteiro. Apesar das instigações do conselheiro, das instâncias de D. Vitória, das garantias de D. Doroteia sobre a inocuidade dos guisados, os pratos corriam à roda da mesa quase intactos e intactos voltavam à cozinha donde saíram.

Mas, se se comia pouco - e de facto, à excepção de Henrique, do conselheiro e das crianças, quase ninguém parecia haver-se sentado ali para cear - mas, dizíamos nós, se se comia pouco, em compensação falava-se muito.

O conselheiro a todos dirigia a palavra, demonstrando uma iniciativa eficaz para baralhar e generalizar as conversas e assim conservar constante a animação. Tudo desafiava risos: o dito de uma criança, a anedota contada por Henrique, as distracções de D. Vitória, as canduras de D. Doroteia, os paradoxos sustentados pelo conselheiro, as alusões da Morgadinha a Cristina, a confusão desta, as maliciosas insinuações de Ângelo.

Assim procedeu o repasto nocturno até à altura das saudações e dos toasts. Nesta parte, justo é confessar que Henrique e o conselheiro foram menos abstinentes. Era difícil resistir à preciosidade dos vinhos.

Passados os recíprocos brindes entre os parentes, o conselheiro, voltando-se para Ângelo, autorizou-o a propor também um brinde.





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