A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 16: XVI Pág. 247 / 508

ceia desta noite, bastariam eles para me inspirarem por si e pelo seu carácter o mais completo desprezo; e então seria, como nunca, manifesta a minha independência, porque eu nunca temi os seres que desprezo.

Henrique principiava a ser de novo subjugado pelo tom de severidade e de energia, com que a Morgadinha lhe falava; ainda assim um gesto de cepticismo obrigou-o a replicar:

- Santo Deus! prima Madalena; não dê um colorido tão pavoroso às minhas suposições. Despojá-la de uma crueza desumana, para a dotar de uma sensibilidade verdadeiramente feminil, é uma justiça feita ao seu coração. E o facto que o acaso me revelou a nada mais me autoriza. O pequeno e natural despeito por me haver deixado iludir desvaneceu-se já, creia; e agora só me resta invejar a sorte de quem tem a felicidade...

- Basta! Ordeno-lhe que se cale, senhor! Nem mais um instante o escutarei; poupar-lhe-ei assim os remorsos que amanhã teria da sua infâmia.

E, animada por uma resolução mais enérgica, Madalena caminhou soberanamente para a porta.

Henrique colocou-se-lhe outra vez diante.

- Um momento mais.

- Deixe-me passar, senhor.

- Não, sem que me ouça antes.

- É uma violência!

- É uma súplica.

Neste momento saiu da obscuridade da rua fronteira um vulto que avançou para eles.

Sr.ª D. Madalena, se for preciso reter o insolente que se lhe atravessa no caminho, ponho um braço à sua disposição.

E Augusto, de quem partiram estas palavras, veio colocar-se entre Henrique e Madalena.

Ouvindo-o e reconhecendo-o, Henrique estremeceu de cólera. O olhar que fixou no recém-chegado traiu a veemência da impressão recebida. Depois sucedeu-se-lhe no espírito outra ordem de ideias.

Olhou para Madalena, em quem não era menor a surpresa causada pela inesperada presença de Augusto, olhou outra vez para este e soltou uma risada cheia de malignidade e de ironia, que a ambos fez estremecer.





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