A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 2: II Pág. 26 / 508

Ambas tinham ceado já, pois que o faziam ao cerrar da noite.

Enquanto Henrique comia, elas, sem deixarem de o observar com a natural curiosidade de quem havia tanto tempo não tivera um hóspede, faziam-lhe perguntas sobre perguntas, às quais ele ia respondendo conforme lhe era possível.

- Tu dizias-me na tua carta que estavas doente; pois olha que na cara não o parece.

- Não - concordou a criada - tem boas cores, e, vamos, a magreza ainda não é lá essas coisas.

Era este o ponto fraco de Henrique; respondeu logo ao reclamo.

- Não digam isso! Então não vêem como estou? Pois isto é lá cor de saúde? De febre, será. Gordo? Pois acham-me gordo?!

- Gordo, não digo, mas assim, assim... E, depois, como vieste de jornada... Mas afinal que moléstia é a tua, menino?

- Eu sei lá, tia Doroteia? Nem os médicos a conhecem bem. É, entre outras coisas, uma tristeza, uma melancolia, que me não deixa, que me persegue por toda a parte. Às vezes, parece-me que sinto apertar-se-me dolorosamente o coração; outras, são palpitações, ânsias... Tenho quase vontade de chorar, irrito-me, impaciento- me, não quero que me falem, nada quero ver, nada quero ouvir; não leio, não durmo, não como. Finalmente, todo eu sou doença e tristeza.

A boa tia Doroteia olhava com sisudez e atenção para o sobrinho, enquanto ele falava, e na fisionomia iam-se-lhe desenhando, ao ouvi-lo, os mais expressivos sinais de espanto e consternação.

Assim que Henrique terminou a exposição, ela disse-lhe com uma adorável candura:

- Então é assim uma espécie de mania?

À palavra «mania» Henrique sobressaltou-se. Seria a consciência que se sentiu ferida?

- Mania? Ó tia Doroteia! Mania! Veja bem, olhe que o termo é forte! Mania!

- Sim, menino! - insistiu ingenuamente a boa senhora - Pois olha que não é outra coisa.





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