A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 19: XIX Pág. 298 / 508

tanto tempo aos pés do confessor? Ermelinda, vagarosa, trémula, tendo claros os vestígios de lágrimas, e, como que enleada de vergonha, caminhou por entre os grupos de mulheres ajoelhadas na igreja e veio cair de joelhos ao lado da madrinha e cedo rojava com ela a fronte no chão, que regava de lágrimas ferventes.

Pobre criança! Que negros crimes lavariam aquelas lágrimas? Que culpas teria a expiar aquela inconsolável dor? O confessionário donde ela se afastara abriu-se, enfim, e às vistas, que para ali se voltaram, mostrou um padre gordo, corado, de olhos e fronte pequenos, cabelos grisalhos, rompendo-lhe a um dedo das sobrancelhas. O homem parou algum tempo a fitar o auditório.

Espalhou-se no templo um sussurro particular; um movimento comum animou aquelas cabeças todas, quando este homem apareceu.

Era o missionário.

A sua passagem para a sacristia foi uma passagem verdadeiramente triunfal. Curvaram-se até ao chão as beatas, beijando-lhe a mão ou as borlas da batina, e pedindo-lhe a bênção, que ele distribuía com profusão.

Mas, a meio caminho da sacristia, para onde se dirigia, surgiu- -lhe quase do chão um estorvo.

Zé P’reira, o desconfortado marido, estava diante dele, gesticulando e realizando um tríplice e admirável esforço para firmar as pernas, para abrir os olhos, e para desembaraçar a língua.

Dizia o homem:

- Ó Sr. aquele... ó Sr. padre, ou missionário, ou lá o que é... eu quero-lhe perguntar uma coisa. Deus disse... sim, Deus disse... A religião manda... Quando um homem se casa... O missionário não esperou pelo fim da inesperada interpelação; com modos rudes e pulso vigoroso arredou de si o atrevido, e bradou, fulo de cólera:

- Então que desaforo é este? Deixam um homem neste estado vir ter comigo? E com maneiras e palavras igualmente ásperas impôs o silêncio ao povo, que ria do desengano do Zé P’reira.





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