A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 19: XIX Pág. 302 / 508

impiedade e a heresia da gente do Mosteiro, e no coração da filha do Cancela, dominado pelo terror que o sermão levara ao cúmulo, calavam aqueles dizeres, que a faziam quase olhar, como se fossem já presas do Inferno, para Madalena e Cristina, a irmã e a prima de Ângelo, do seu amigo de infância, em quem já não se atrevia a pensar.

Numa ocasião em que o missionário fulminava com mais veemência os progressos da indústria moderna e chamava redes do demónio e caminhos do Inferno aos telégrafos eléctricos e às vias- -férreas, Henrique, aproximando-se dos ouvidos das duas primas, fez não sei que reflexão tanto a propósito, que a Morgadinha não conteve o riso e a própria Cristina sorriu também.

Era de mais! O padre pulou no púlpito. Com os olhos em chama, as faces apopléticas, os lábios espumantes, os punhos cerrados e os braços hirtos e estendidos na direcção de Henrique, rompeu nestes violentos termos:

- Fora do templo, pedreiros-livres, que vindes aqui escarnecer da palavra do Senhor! Fora do templo, ímpios libertinos, que não respeitais os ministros de Deus, nem o seu altar! Andam lobos no povoado e vieram esconder-se entre as ovelhas na casa do Senhor! Escorraçai-os, irmãos, se não quereis que se vos pegue a lepra do pecado e que Deus arrase esta aldeia, como arrasou Gomorra e Sodoma. São esses os que trazem das cidades a peste para as aldeias; são estas as pragas que nos vêm com as estradas e com a civilização. Fugi deles, que trazem o demónio na alma! Homens sem religião, mulheres sem temor de Deus, mações, pedreiros- -livres, vindes para aqui tentar as almas? Eu vos esconjuro! Eu vos requeiro! Vade retro, Satanás, vade retro! Vade retro!... E, de cada vez que repetia a fórmula exorcista, o missionário estendia o braço na direcção de Henrique.





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