A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 20: XX Pág. 314 / 508

não respondesse ainda, continuou o aflito pai, cada vez mais comovido:

- Ai os pressentimentos do meu coração! Não sei o que me dizia isto! Não sei! Meu Deus, meu Deus! E como te pareces com tua mãe naquele dia em que... Nem quero imaginar... Ó filha, filha, não vês que me matas assim? Fala!... E beijava-a, e afagava-a, e cobri-a de lágrimas ardentes, que mais lágrimas desafiavam à criança, sem que a fizessem falar.

Nos movimentos desordenados que fazia, o desgraçado parecia louco. Ele apertava as mãos da filha, levava-as aos lábios, abraçava- a, tomava-a ao colo, pousava-a no chão: ora a atraía a si, ora a afastava, sem saber o que fizesse, nessa incoerência de actos que produz um espírito inquieto.

Como para melhor examinar aquelas feições queridas, cujo abatimento e palidez tanto o assustavam, afastou da fronte da criança, com as mãos trémulas, o lenço que lhe envolvia a cabeça; mas de repente retirou-as, soltando um grito medonho, ergueu-se e recuou com terror.

Depois, fitou a filha com olhar desvairado, e, sem pronunciar uma palavra, quase que a arrastou para mais perto da luz, que entrava no corredor pela porta aberta do quintal; aí, arrancou com ímpeto febril o lenço da cabeça de Ermelinda e um novo grito, mas desta vez rouco, abafado pela dor, cortado pelos soluços, saiu-lhe do seio, e ele, o desgraçado pai, desatou a chorar como uma criança.

É que aqueles formosos cabelos loiros de Ermelinda, que com tanto amor beijava, que com tanta soberba lhe desatava pelos ombros, o orgulho, o enlevo do seu coração de pai, aqueles cabelos loiros haviam caído aos golpes de uma tesoura desapiedada e quase irreverente.

Só quem for pai pode conceber toda a desesperadora aflição em que esta descoberta lançou o coração daquele.





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