A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 22: XXII Pág. 342 / 508

Pelo menos é assim que eu interpretei o seu silêncio, e aprovo-o em vez de agradecê-lo.

- Seja contrição, visto que assim o quer. Mas não lhe merecerá ela alguma misericórdia para com o pecador?

- Escute. Sinto sincera misericórdia de si, pode acreditá-lo. Ela só me obriga a perdoar-lhe algumas impertinências, nem sempre demasiado delicadas, com que me mortifica.

- Está sendo tão amável!...

- Perdoe, mas a sinceridade tem destas exigências.

- Curvo-me perante as exigências da sinceridade. Continue, prima Madalena.

- Vai mais longe ainda a minha misericórdia, porque, apesar da rebeldia do mal, inda não desisti de curá-lo.

- Inda bem. E como? Ser-me-á lícito penetrar no segredo do tratamento?

- Há já agora uma única maneira de o salvar.

- E é?...

- Apaixoná-lo.

- Ah! Nesse caso estou salvo! - exclamou Henrique, num ímpeto, que não pôde passar sem um sorriso da Morgadinha.

- Ouça. É preciso andar com tento na escolha do objecto dessa paixão, sob pena de agravar o mal em vez de minorá-lo.

- E como hei-de escolher?

- De modo que lisonjeie a opinião que o primo tem de si próprio.

- A opinião que eu tenho de mim! Se pudesse ser mais clara!...

- De boa vontade. O primo Henrique tem uma forte necessidade de persuadir-se de que representa no Mundo um grande papel, uma missão heróica e generosa, quase providencial. Exigências de uma vaidade de boa índole, que se lhe não pode levar a mal. Repugna-lhe a ideia da inutilidade, da insignificância da sua existência. Não se resigna ao papel de comparsa, ambiciona o de protector. Se o acaso, ou uma inconsideração de momento, o associasse, por toda a vida, a um carácter igualmente forte, que, em constante oposição, pretendesse provar-lhe que prescindia da sua protecção, grandes desgostos e amarguras o esperavam no futuro.





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