A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 24: XXIV Pág. 373 / 508

A pequena doente correspondeu-lhe ainda ao beijo e continuou a fitá-la como dantes. E durou, e durou este olhar até que pareceu a Madalena haver nele não sei que estranha fixidez, que a inquietou.

Palpou as mãos da criança, estavam frias; o coração, parado; chamou-a pelo nome... a mesma fixidez no olhar, a mesma imobilidade nas feições... Estava morta.

Foi assim que se despediu da vida aquele cândido espírito. Foi como o adormecer de uma alma, que algum anjo invisível, namorado dela, arrebatasse nas asas, para o trono de Deus.

A morte de uma criança como Ermelinda é um facto de ordinário indiferente na vida social; alguns sorrisos de menos no Mundo; uma voz que emudece nos festivos coros da infância; algumas sentidas lágrimas de mãe sobre um berço vazio; algumas flores sobre um túmulo; e à superfície das ondas sociais nem sequer a leve vibração que a rosa desfolhada imprime à água tranquila do lago... eis tudo.

A multidão segue no delírio das festas, na luta das paixões, na febre da ambição e das glórias, e o perfume da flor pendida não afecta os sentidos embriagados.

Às vezes, porém, não sucede assim, e assim não devia suceder com Ermelinda.

As paixões humanas, que ante o cadáver de uma criança, coroada de flores cândidas e cingida da alva túnica da pureza, deviam abrandar-se, como diante de uma visão do Céu, tomam-no às vezes por estímulo para mais furiosas se desencadearem, e proclamarem a luta, a sedição e a vingança.

Desde que fora publicada a portaria, proibindo expressamente os enterramentos na igreja, medida tão adversa ao espírito do povo, não tinha havido na terra uma morte que obrigasse a pôr a medida em execução.

A ira popular, exacerbada de contínuo pelas secretas instigações de alguns padres fanáticos ou hipócritas, e dos adversários políticos do conselheiro, rugia, havia muito, surdamente, mas não rompera em explosão por falta de pretexto.





Os capítulos deste livro