A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 1: I Pág. 4 / 508

em água, e a chuva cai sem interrupção e com uma teimosia e constância impacientadoras; daqueles em que a terra saciada rejeita já a água que recebe, a qual escorre nos declives, transborda dos algares, e encharca-se nos terrenos baixos, transformando em brejos as lezírias; em que as lufadas do sul vergam e torcem os ramos melancolicamente despidos, dos álamos e sobreiros, e emprestam aos pinheirais a voz dos mares; em que os campos se mostram desertos, a noite se antecipa, e tão densas nuvens cobrem o firmamento, que parece tomar-nos a persuasão de que nunca mais o veremos com as suas formosas vestes de azul.

Vejam se, nestas circunstâncias, o pobre rapaz podia deixar de ir cabisbaixo, triste e dando ao diabo a viagem que cometera.

E para quê e por quê a cometera ele assim?

Em poucas palavras procuraremos satisfazer a natural interrogação, que é de supor nos dirigissem os leitores, se pudessem fazê-lo.

Este Henrique de Souselas atingira a idade dos vinte e sete anos, vivendo, como dissemos, aquela elanguescedora vida da capital, e dividindo as atenções do espírito pela política, pela literatura e pelos destinos do teatro de S. Carlos do qual estava habilitado a fazer circunstanciada crónica, que abrangesse os últimos dez anos.

Não concebia vida fora daquilo.

O mundo para ele era Lisboa. Não sentia desejos, nem imaginava possibilidade de visitar a Europa, quanto mais a província, o que seria maior façanha.

Não que lhe faltassem recursos para realizar qualquer projecto desta natureza.

Henrique herdara dos pais rendimentos bastantes, dos quais vivia folgadamente e sem precisar de sacrificar nos altares da economia.

Mas a indolência lisbonense manietava-o ali. A poucos ia tão direita a apóstrofe de Garrett aos «seus queridos alfacinhas», a qual se pode ler no capítulo sétimo das Viagens.





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