A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 3: III Pág. 42 / 508

onde vêm encerrados porventura os destinos de tantas pobres famílias! Quantas vezes verdadeira boceta de Pandora, donde se espalham as desgraças e os pesares! Nas grandes cidades dispersam-se estas comoções; passam-se no recato dos gabinetes de cada um. Lembrem-se porém das vezes em que têm segurado com mão trémula na correspondência que o correio lhes traz; no ansiar do coração com que lhe interrompem a leitura; no irresistível movimento de desespero, com que a amarrotam depois, ou nas expansões apaixonadas com que beijaram o nome que as subscreve; lembrem-se disso, multipliquem depois esses factos, todos, despojem-nos das reservas que a etiqueta impõe às classes mais civilizadas; façam-nos manifestarem-se num mesmo momento e num mesmo lugar, e digam se concebem muitas outras cenas, em que mais sentimentos e paixões se agitem em luta travada.

Chegou enfim o homem das cartas, e a custo conseguiu romper até ao mostrador, onde pousou a mala. O «director», depois de tossir, de assoar-se, de suspirar e de limpar os óculos com umas delongas, que formavam com a ansiedade do povo um contraste desesperador, abriu fleumaticamente o saco, extraiu um não muito volumoso maço de cartas, que despejou num cesto de vime, e tomou apontamentos.

Era digno do pincel de um artista aquele grupo de fisionomias, que seguiam ávidas todos os movimentos de mestre Bento. Olhos e bocas abertas, mãos juntas, pescoços estendidos, a cabeça inclinada para receber o menor som, tudo caracterizava profundamente a ansiedade que lhe dominava os ânimos.

Mestre Bento Pertunhas achou a ocasião apropriada para dizer a Henrique:

- Pois, senhor, eu nasci para artista. Quase sem mestre aprendi a tocar trompa e, não é por me gabar, mas prezo-me de tocar com certo mimo e expressão.





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