A Morgadinha dos Canaviais - Cap. 4: IV Pág. 62 / 508

Isto criou-me novos deveres; havia aqui muitas crianças; estas duas, outras que estão lá dentro, e Cristina, que era então criança também; ocupei-me a ajudar minha tia.

- E tão admiravelmente, que a mais carinhosa mãe o não faria melhor.

- Dou-me bem com as crianças, dou. E a meu pai devo, em parte, o ter aprendido cedo esta ciência. Porque é uma ciência também.

- Então como procedeu o conselheiro para a ensinar?

- Eu lhe digo. Meu pai tem em certas coisas umas ideias muito singulares. Excelentes as acho eu. Oh! Não imagina que boa e excelente alma é a de meu pai! Era eu criança, tinha onze anos, talvez, quando ele, um dia, vindo de Lisboa passar aqui algum tempo connosco, me trouxe uma boneca, realmente bonita; uma maravilha de Nuremberg. Nos primeiros dias não me fartava de a ver, de a beijar; até comigo a deitava. Oito dias depois sucedia o que era de esperar; já nem dela sabia. Meu pai notou-o. - Então, Lena - aqui todos me chamam assim - já não gostas da tua boneca? Disse-lhe eu: - Gosto, mas... - Bem sei, já fizeste tudo o que tinhas a fazer por ela, e como, pela sua parte, ela nada faz por ti, enfastiaste-te, cansaste-te de conceber, a cada momento, brinquedos novos. Tens razão; onze anos já não é idade em que o interesse se sustente com tão pouco; é necessário mais. Ora diz-me Lena, - continuou ele - se eu te mandasse vir uma boneca que movesse os braços e os olhos, que te sorrisse, que chorasse também, que te beijasse até... - Pois há bonecas assim? - perguntei eu, admirada.

- E desejava-la?

- Oh! Se a houvesse!...

- Trago-ta amanhã. Não dormi aquela noite a pensar na boneca. No dia seguinte apresentou- me meu pai uma criança de um ano, órfão de uma pobre família, que uma epidemia extinguira, e disse-me: - Aí tens a boneca que te prometi, Lena; vou confiá-la aos teus onze anos.





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