XXIV - Em que a senhora Antónia procura encher-se de razão A cunhada do homem da sobrinha da comadre da Sr.a Antónia habitava, como da boca da dita senhora soubemos, defronte de Mr. Richard Whitestone. Era a morada uma pequena casa térrea, a cuja meia porta passava a inquilina metade do tempo, observando ou transmitindo aos outros o resultado das suas observações.
Se o amor de saber define etimologicamente o filósofo, difícil será encontrar algures individualidade tão bem acondicionada para se lhe encabeçar o disputado título como a Sr.a Josefinha da Água-Benta; que por este nome era a sua graça conhecida em todo o bairro.
Era mais que amor de saber o que a possuía; era ânsia, era febre, era delírio!
Às nove horas da manhã do dia seguinte àquele em que entre José Fortunato e Antónia se tramara, in limine, aquela conspiração, de que lavrámos acta, achava-se a diligente criada de Manuel Quintino, inflamada no santo ardor doméstico, à porta da sua conhecida e amiga, no louvável intuito de colher informações a respeito de Carlos Whitestone.
– Sr.a Josefinha! – chamou a Sr.a Antónia para dentro de casa, elevando, em desentoado falsete, a voz inclassificável.
– Hui! – respondeu de dentro outra voz, digna de emparelhar com esta.
– Passou bem?
– Mas quem é?
E uma figura de mulher de meia-idade, perfeito tipo de mulher de soalheiro, foi, pouco a pouco, tomando vulto e relevo no vão escuro da porta, e assomou enfim à cancela.
– Ai, pois é vossemecê, Sr.a Antónia? Entre.
– Ai, nada, não entro, que não me posso demorar.
– Então que pressas são essas hoje?
– Bem vê que são nove horas, e preciso de olhar pelo jantar.
– Isso tem muito tempo – disse a Sr.a Josefinha da Água-Benta, encostando-se à cancela; e prosseguiu: – Então quem a trouxe por estes sítios?
– Fui ali adiante a um recado do patrão, e sempre quis bater para saber de si.