As Aventuras de Tom Sawyer - Cap. 35: Capítulo 35 Pág. 172 / 174

Tenho a impressão de que há já um ano que não me sento na soleira de uma porta; tenho de ir à igreja e suar, suar, porque detesto aqueles sermões amaneirados. Quando lá estou não posso apanhar uma mosca nem mascar. Tenho de andar de sapatos durante todo o dia de domingo. A viúva come ao toque de um sino, vai para a cama ao toque de um sino, levanta-se ao toque de um sino. Enfim, tudo lá em casa é tão certo que uma pessoa não pode suportar tal vida.

- Mas toda a gente vive assim, Huck!

- Não me importo. Eu não sou toda a gente e não aguento aquela vida. É horrível vermo-nos assim amarrados e, mesmo sem querer, começa-se a resmungar. Deste modo já não me interessa a vida. Tenho de pedir licença para ir pescar; tenho de pedir licença para ir nadar; tenho de pedir licença para tudo; tenho de falar tão bem que só me apetece estar calado. Todos os dias vou um bocado para o sótão mascar, senão morro, Tom. A viúva não me deixa fumar; não me deixa gritar; não me deixa bocejar, nem espreguiçar-me, nem coçar-me diante de gente...

Com um ar irritado, continuou:

- O pior de tudo é que leva o tempo a rezar. Nunca vi uma mulher assim! Tive de fugir, Tom, tive de fugir! Além disso, a escola vai abrir e hei-de ter de lá ir. Não suporto isso, Tom. Olha, sabes? Ser rico não é tão bom como parece. Afinal, só se têm maçadas e mais maçadas, a ponto de se desejar a morte. Este fato é que me fica bem, nesta barrica é que gosto de dormir, e nunca mais sairei daqui. Se não fosse o dinheiro, não tinha passado por aqueles trabalhos, mas o melhor é guardares para ti a minha parte e dares-me de vez em quando alguma coisa; não muito nem muitas vezes, porque não preciso de fazer grandes despesas. Vai ter com a viúva e pede-lhe que me faça isto.

- Oh! Huck, bem sabes que não posso fazer o que me pedes. Não é justo e, além disso, se experimentares por mais algum tempo, hás-de acabar por gostar.

- Gostar? Muito! Tanto como se acaba por gostar de estar sentado em cima de um fogão aceso. Não, Tom, não quero ser rico e não quero viver nestas malditas casas onde me falta o ar. Gosto dos bosques e do rio, gosto de viver numa barrica e não estou disposto a deixar isto. O diabo que leve o resto! Visto que já temos espingardas num esconderijo da gruta e que ajustámos ser ladrões, para que há-de uma coisa destas estragar tudo?

Tom achou num repente um bom argumento: - Ser rico não me impede de querer ser ladrão.





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