As Aventuras de Tom Sawyer - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 4 / 174

Com esforço e atenção, em breve apanhou o jeito e foi andando rua abaixo, com a boca cheia de sons harmoniosos e a alma cheia de gratidão. Sentia o que sente um astrónomo ao acabar de descobrir um novo planeta, mas sem dúvida o prazer do rapaz era muito mais forte, profundo e puro do que o do astrónomo.

As tardes de Verão são muito compridas. Ainda não estava escuro. Pouco depois, Tom moderou o seu assobio, vendo na sua frente um rapaz pouco mais alto do que ele. Qualquer recém-chegado, fosse qual fosse a sua idade ou sexo, era um acontecimento impressionante na pequena aldeia de S. Petersburgo. Além disso, aquele rapaz estava bem vestido - bem vestido num dia de semana -, o que era simplesmente espantoso. O boné era uma coisa linda, e o casaco, de pano azul e todo abotoado, era novo e bem feito, assim como as calças. Tinha sapatos calçados, apesar de ser só sexta-feira. Até trazia gravata, feita de um bocado de fita de cor. Tinha um ar citadino que indignava Tom. Quanto mais olhava para aquela esplêndida maravilha, quanto mais arrebitava o nariz a olhar para tanto luxo, mais pobre e mesquinho lhe parecia o seu próprio fato. Nenhum deles falava. Se um se mexia, o outro mexia-se também, mas sem deixarem de estar em frente um do outro nem de se olhar.

Por fim, Tom disse:

- Se eu quiser bato-te.

- Gostava que experimentasses.

- Só se eu não quiser.

- Não és capaz.

- Sou.

-Não és.

- Sou.

- Não és.

- Sou.

- Não és.

Seguiu-se uma pausa desagradável, finda a qual Tom perguntou:

- Como te chamas?

- Não é da tua conta.

- Se eu quiser posso fazer que seja.

- Então por que não fazes?

- Se dizes muitas coisas, faço mesmo.

- Muitas coisas... Muitas coisas... Muitas coisas. Aqui tens.

- Naturalmente julgas que és muito esperto, não? Se eu quiser sou capaz de te bater até com uma das mãos presa atrás das costas.

- Por que não bates, se dizes que és capaz?

- Pois bato se te metes muito comigo.

- Bem sei, já vi famílias inteiras na mesma atrapalhação.

- Que valentão! Se for a ver, julgas que és alguém, não? Olha para aquele chapéu!

- Podes amolgá-lo se não gostas dele. Desafio-te a que lhe toques, e seja quem for que se atreva, apanha a sua conta.

- Mentiroso!

- Mentiroso és tu.

- És um desordeiro e um mentiroso, que não levas o desafio por diante.

- Vai passear!





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