A Morgadinha prosseguiu:
- É preciso que saibas, Criste, que é mais fácil conhecer os defeitos de uma pessoa, do que as suas boas qualidades. Os defeitos são imprudentes e linguareiros, denunciam-se, dão sinal de si; basta meia hora para se descobrirem em qualquer lugar que habitem. As boas qualidades, não; essas são modestas, humildes, discretas; sabem esconder-se. São precisos anos para as descobrir todas. Mas com que olhos de espanto me estás fitando! Parece que te causa estranheza o meu sermão! Eu te digo a que ele vem. Logo que falei com este nosso primo... - e quem sabe se o futuro virá confirmar, em relação a mim, este título, que por fantasia lhe dou? - escusas de corar por eu dizer isto, Criste...; mas, dizia eu, logo que falei com ele, saltaram-me aos olhos muitos dos seus defeitos.
- Quais são? - perguntou Cristina com viveza.
- Sossega; são ligeiros felizmente, e parece-me que os poderá ainda perder; sobretudo, se continuar a viver aqui. Quis-me também logo parecer que, no fundo, havia uma mina de bons sentimentos por explorar. Nasceu logo em mim a vontade de o sondar, a ver se conseguia purificá-lo do que nele houvesse de menos heróico. Então que queres? Para a aldeia era um passatempo como outro qualquer. Mas redobrou-se em mim este desejo e revestiu em mim mais sério carácter, desde que vi a impressão que este sobrinho da tia Doroteia te causara.
- Lena! Como te deu para supor que eu me apaixonei assim em poucas horas? Julgo que me imaginas apaixonada!
- Não, ainda não; inclinada, agradada, atraída... ou outro qualquer termo desta força, que deixarei à tua escolha, isso sim. Para isso não é preciso muito tempo. As razões, pelas quais julguei isto, dispensa-me de tas dizer, que pouco valem. Supõe que foi por um tacto especial, por uma qualidade oculta, como a do tino que dizem que têm certos médicos para reconhecerem o mal sem estudarem muito o doente.