Simplesmente um preceito de civilidade.
Henrique ia a responder irritado, mas conteve-se e tornou com dobrada ironia:
- É verdade, é verdade... esquecia-me que a civilidade entra no seu programa... de mestre-escola.
- Justamente; e tenho alguns discípulos que lisonjeiam o mestre; rapazinhos da aldeia, pobres, rotos e descalços, mas que nesse ponto podem dar lições a elegantes filhos das cidades.
- Pois estimarei, nas minhas longas horas de ócio, aqui na aldeia, dever-lhe algumas lições também. Contudo, como, felizmente, as circunstâncias em que estou me permitem prescindir do benefício do Estado, que o subsidia, há-de conceder-me que pague as lições que receber.
- Nunca me envergonhei de aceitar a recompensa do meu trabalho, se o discípulo pode dar-ma... sem sacrifício.
- E aceita-a em toda a espécie de moeda, não é verdade? - perguntou Henrique, cada vez mais petulantemente.
Augusto respondeu com a mesma serenidade:
- Não faço também escrúpulo nisso, contanto que me fique o direito salvo de pagar na mesma espécie de trocos, quando julgar que os devo.
O diálogo ia, como vamos vendo, de momento para momento adquirindo mais acerbo carácter.
Cristina, que já tremia de assustada, cingiu o braço de Madalena, como para convidá-la a intervir.
Esta não o tinha ainda feito por uma simples razão. Desconhecia Augusto. A audácia com que o via repelir as ironias do seu adversário, a firmeza inalterável com que lhe sustentava o olhar, o sorriso, que, em desdéns, rivalizava com o dele, eram tão novos para a Morgadinha, que a surpresa, que daí lhe vinha, nem a deixava ainda perceber a utilidade de uma intervenção. O aviso de Cristina chamou-a, porém, à realidade.
- Tem-me querido parecer, ainda que me custa a acreditar, que isso entre os senhores é uma altercação - disse ela por fim.